terça-feira, 31 de maio de 2011
Fama e fortuna
Le flacon
AnaMariaSanz |
*
O Frasco
Para certos perfumes, qualquer material
É poroso. Penetram até no cristal.
Ao abrir uma caixa vinda do Oriente,
De fecho enferrujado a ranger estridente,
Ou na casa deserta um antigo armário
Recendendo a passado, a pó e sacrário,
Pode haver lá um frasco que ainda recorda,
De onde escapará uma alma que acorda.
Idéias a dormir, crisálidas primevas,
Vibrando levemente no fundo das trevas,
Abrem asas e voam colorindo o ar
De rosa-aurora, ouro-sol, azul-luar.
São lembranças inebriantes que se erigem
No ar turvo; os olhos fecham; a Vertigem
Toma conta da alma e a empurra com gana
Para o abismo escuro da essência humana;
No fundo desse abismo ela vê num ossário,
Qual Lázaro pungente rasgando o sudário,
Mover-se ao acordar a carcaça espectral
De um velho amor rançoso, doce e sepulcral.
Assim, quando eu estiver perdido na memória
Dos homens, num porão, numa arca simplória,
Quando estiver jogado fora, reles frasco
Troncho, feio, rachado, sujo, sebo, asco,
Serei teu ataúde, amável pestilência!
Guardião da tua força, tua virulência,
Veneno filtrado pelos anjos! Licor
A me queimar, vida e morte do meu amor!
(tradução: Jorge Pontual)
Odalisca
by bruno di maio |
Passagem da noite
segunda-feira, 30 de maio de 2011
Entre o sono e sonho
Segunda Elegia, Terceira Sede
sábado, 28 de maio de 2011
"Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco.
Virei outro. Tratei de reler os clássicos que me mandaram ler na adolescência, e não agüentei. Mergulhei nas letras românticas que tanto repudiei quando minha mãe quis me forçar a ler e gostar, e através delas tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados. Quando meus gostos musicais entraram em crise me descobri atrasado e velho, e abri meu coração às delícias do acaso.
Me pergunto como pude sucumbir nessa vertigem perpétua que eu mesmo provocava e temia. Flutuava entre nuvens erráticas e falava sozinho diante do espelho com a vã ilusão de averiguar quem sou. Era tal meu desvario, que em uma manifestação estudantil com pedras e garrafas tive que buscar forças na fraqueza para não me colocar na frente de todos com um letreiro que consagrasse minha verdade: Estou louco de amor."
Gabriel García Marquez, Memórias de minhas putas tristes
Demogorgon
Jia_Lu |
Uma pedra é uma pedra
chelin_sanjuan |
Soneto XVI
ABrito |
Eu também, não resisto. Dans mon île, vendo a barca e as gaivotinhas passarem. Sua resposta vem de barca e passa por aqui, muito rara.
Quando tenho insônia me lembro sempre de uma gaffe e de um anúncio no museu: "To see all these works together is an experience not to be missed".
E eu nem nada. Fiz misérias nos caminhos do conhecer. Mas hoje estou doente de tanta estupidez porque espero ardentemente que alguma coisa... divina aconteça. F for fake. Os horóscopos também erram.
Me escreve mais, manda um postal do azul (eu não me espanto).
O lugar do passado? Na próxima te digo quem são os 3, mas os outros grandes eu resisto.
Não fica aborrecida: beijo político lábios de cada amor que tenho.
Ana Cristina César
quinta-feira, 26 de maio de 2011
[9] O livro do desassossego
Ah, compreendo! O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e necessária, mandante e desconhecida. Este homem banal representa a banalidade da Vida. Ele é tudo para mim, por fora, porque a Vida é tudo para mim por fora. E, se o escritório da Rua dos Douradores representa para mim a vida, este meu segundo andar, onde moro, na mesma Rua dos Douradores, representa para mim a Arte. Sim, a Arte, que mora na mesma rua que a Vida, porém num lugar diferente, a Arte que alivia da vida sem aliviar de viver, que é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar diferente. Sim, esta Rua dos Douradores compreende para mim todo o sentido das coisas, a solução de todos os enigmas, salvo o existirem enigmas, que é o que não pode ter solução.
Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa)
O livro do desassossego
“Man At The Top” - Bruce Springsteen
O Homem Público N. 1
quarta-feira, 25 de maio de 2011
by Jay Anacleto |
A velha juventude
Alberto Pancorbo |
Não caio, mesmo que as forças me faltem,
cruzo-me com a tarde e com o assombro do mar
onde o meu coração aguardará a noite como as aves
nos ninhos construídos no interior da falésia.
Será uma noite surpreendente, uma noite sem ti,
porque será mais noite ainda, sem aquele brilho azul
que só as nossas noites tinham. E eu sinto-me vazio
como uma criança que fugiu de casa e não sabe voltar.
O meu olhar é uma pedra acesa na tua recordação,
a minha carne sente a falta da tua, e nas minhas mãos
o sol deixa os últimos raios de âmbar, as tímidas marcas
que os meus dentes costumavam gravar na tua pele.
Quando a noite vier fechar as suas portas,
lembrar-me-ei do interior da nossa casa, quando
esperava por ti, doente de esperar, mas fascinado
como só poderia sentir-se um amante faminto.
Caminho e não caio, mesmo que me faltem
as forças que me trouxeram para longe de ti. Sou
esse velho amante cheio de juventude, a quem a vida
não quis renovar mais que os próprios versos.
JOAQUIM PESSOA
HÁ UM NOME que nos estremece,
"Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. E o que é proibido eu adivinho. Se houver força. Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és.
E sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico, fantástico e gigantesco: a vida é sobrenatural. E caminho segurando um guarda-chuva aberto sobre corda tensa. Caminho até o limite do meu sonho grande. Vejo a fúria dos impulsos viscerais: vísceras torturadas me guiam. Não gosto do que acabo de escrever - mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu. E respeito muito o que eu me aconteço. Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.
Estou sendo antimelódica. Comprazo-me com a harmonia difícil dos ásperos contrários. Para onde vou? E a resposta é: vou."
Clarice Lispector
terça-feira, 24 de maio de 2011
Confiança
O que é bonito neste mundo, e anima,
Requiescat
Por que me vens, com o mesmo riso,
Outras paixões, outras idades!
A Máscara
maskerade, Öl auf Schöllerhammer |
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Disappointed Love, 1891 - Francis Danby |
Como falarei desta saudade sem chorar?
Tu Risa
Um Pedaço de Você
by arthur-braginsky |
Paulo Roberto Gaefke
Lauri Blank |
Amiga, amiga! De braço dado atravessamos o arco-íris.
Delírios
II
A alquimia do verbo
A mim. A história de uma das minhas loucuras.
Desde há muito eu me vangloriava de possuir todas as paisagens possíveis, e me pareciam irrisórias as celebridades da pintura e da poesia moderna.
Gostava das pinturas idiotas, capitéis, cenários, telas de saltimbancos, tabuletas, iluminuras populares; a literatura fora de moda, latim de igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossas avós, contos de fadas, livros infantis, óperas antigas, estribilhos idiotas, ritmos ingênuos.
Sonhava com cruzadas, viagens de descobertas da quais não existem notícias, republicas sem historia, guerras religiosas sufocadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: eu acreditava em todos os encantamentos.
Inventei a cor das vogais! — A negro, E branco, I vermelho, O azul, U verde. — Ordenei a forma e o movimento de cada consoante e, com ritmos instintivos, pretendi inventar um verbo poético acessível, mais dias menos dias, a todos os sentidos. Eu me reservava sua tradução.
Antes, foi apenas um estudo. Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.
Que bebia eu de joelhos nesta charneca
Rodeada de tenros bosques de avelãs,
Numa verde e morna nevoa vespertina,
Longe dos pássaros, rebanhos e aldeãs?
Que podia beber neste jovem Cise, querida,
— Olmos sem voz, céu coberto, raiva sem flores! —
Longe da tenda, em cabaças amarelas?
Algum licor dourado que provoca suores.
Fiz equívocos sinais de boas vindas.
Tempestade no céu. Ao escurecer
A água dos bosques na areia morria,
O vendaval de Deus os mares gelava.
Chorando, via o ouro — e beber não podia. —
Quatro horas da manhã estival,
O sono de amor ainda persiste.
Nos arbustos já não mais existe
Noturnos odores de festival.
Lá ao longe, ao sol doas Hespérides,
Em seus imensos canteiros
Já se movem — em mangas de camisa —
Os Carpinteiros.
Em seus Desertos de espuma, tranqüilos
Preparam preciosas molduras
Onde a cidade
Pintará céus de impostura.
Ó, por estes Obreiros fascinantes
Quem um rei de Babilônia têm atados,
Vênus! Abandona teus amantes
cujos espíritos tens escravizados.
A todos eles, Rainha dos Pastores,
a aguardente tens de levar
Que estejam mansos os trabalhadores
Quando ao meio-dia se banhem no mar.
As velharias poéticas ocupavam boa parte de minha alquimia do verbo.
Habituei-me à alucinação simples: via, honestamente, uma mesquita no lugar de uma fábrica, uma escola de tambores feita por anjos, carruagens nos caminhos dos céus, um salão no fundo de um lago; os monstros, os mistérios; um título de comedia erigia terrores à minha frente.
Depois explicava meus sofismas mágicos com a alucinação das palavras!
Acabei pr julgar sagrada a desordem de meu espírito. Era cioso, vitima de forte febre: invejava a felicidade dos animais, — as crisálidas, que representavam a inocência dos limbos, as toupeiras, o sono da virgindade!
Meu caráter se tornava acre. Eu me despedia do mundo, com uma espécie de romança:
Canção da torre mais alta
Que venha essa hora
Que nos enamora.
Minha paciência foi tanta
Que não mais a lembro.
Medos e prantos
Aos céus já foram.
E uma sede malsã que cresce
Minhas veias obscurece.
Que venha essa hora
Que nos enamora.
Tal campina esquecida
Imensa, florida,
De incenso e de joio,
Ao zumbido selvagem
De moscas imundas.
Que venha essa hora
Que nos enamora.
Eu amava o deserto, os pomares queimados, lojas decadentes, as bebidas mornas. Eu me arrastava pelas ruelas fedorentas e, com os olhos fechados, me oferecia ao sol, deus do fogo.
“General, se ainda resta um canhão velho em teus baluartes em ruínas, bombardeia-nos com montes de terra seca. Contra as vitrines da das lojas esplêndidas! dentro dos salões! Faz que a cidade coma sua própria poeira. Enferruja as gárgulas. Enche os toucadores de poeira ardente de rubis...
Ó! a mosca embriagada no mictório da taverna, apaixonada pela borragem, e dissolvida por um raio de sol!
Fome
Se tenho apego, não é mais
Que pelas pedras e chão.
Como sempre ar
Rocha, ferro, carvão.
Voltai minhas fomes. Pastai
No prado dos sons.
Atraí o alegre veneno
Das trepadeiras.
Comei os seixos que se quebram,
As velhas pedras de igrejas;
Calhaus de antigos dilúvios,
Pães semeados em vales grises.
Uiva o lobo nas folhagens
Cuspindo as belas plumas
Das aves de seu repasto:
Como ele eu me gasto.
As hortaliças e as frutas
Só esperam a mão que as tome;
Mas a aranha dos tapumes
Só violetas come.
Que eu durma! que ferva
Nos altares de Salomão.
Sobre a ferrugem corre a fervura
E se mistura o Cedrão.
Enfim, ó felicidade, ó razão, eu separava do céu o azul, que é negro, e vivi, centelha dourada da luz natureza. Em minha alegria, eu assumia uma expressão tão burlesca e alucinada quanto possível:
Ela foi reencontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar
Ao sol misturado.
Minha alma eterna,
Segue teu rogo
Contra a noite pura
E o dia em fogo.
Te libertas então
Dos votos humanos,
E ímpetos vãos!
E voas segundo...
Jamais a esperança,
Jamais orietur.
Ciência e paciência
O suplício é seguro.
Tampouco futuro,
Brasas de cetim,
Vossa paixão
É a obrigação.
Ela foi reencontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar
Ao sol misturado.
Tornei-me uma ópera fabulosa: vi que todos os seres têm um fatalismo da felicidade: a ação não é a vida, mas uma forma de dilapidar alguma força, um enfraquecimento. A moral é a debilidade do juízo.
Parecia-me que a cada ser devem ser dadas outras vidas. Este cavalheiro não sabe o que faz: é um anjo. Esta família é uma ninhada de cães. Diante de vários homens, falei em voz alta com um momento de uma de suas outras vidas. — Assim, amei um porco.
Nenhum dos sofismas da loucura, — a loucura de atar, — foi esquecido por mim: eu poderia repeti-los todos, tenho o sistema.
Minha saúde esteve ameaçada. O terror me invadia. Caía em sonos de vários dias e, desperto, continuava os mais tristes sonhos. Estava maduro para a morte, por uma senda de perigos minha fraqueza me conduzia aos confins do mundo e da Ciméria, pátria da sombra e dos turbilhões.
Tive de viajar, dissipar os encantamentos reunidos em meu cérebro. No mar, que amava como se devesse purificar-me de uma mancha, eu via elevar-se a cruz consoladora. Eu fora amaldiçoado pelo arco-íris. A Felicidade era minha fatalidade, meu remorso, meu verme; minha vida seria sempre excessivamente imensa para ser dedicada à força e à beleza.
A Felicidade! Seu dente, doce até a morte, me advertia do canto do galo, —ad matutinum, no Christus venit, — nas mais sombrias cidades.
É estações, ó castelos!
Qual a alma sem defeitos?
Fiz o mágico estudo
Da ventura, que ninguém elude.
Saudemo-la, cada vez
Que cante o galo gaulês.
Ah! Não mais ambições:
Pus minha vida em suas mãos.
Este encanto prendeu-me alma e corpo
E dispersou os esforços.
Ó estações, ó castelos!
A hora de sua fuga, enfim!
Será a hora do meu fim.
Ó estações, ó castelos!
Isto passou. Hoje eu sei saudar a beleza
Arthur Rimbaud
domingo, 22 de maio de 2011
"Bem sabia, experimentaria enfim em pleno a dor do mundo. E a sua própria dor de criatura mortal, a dor que aprendera a não sentir. Mas também seria por vezes tomada de um êxtase de prazer puro e legítimo que ela mal podia adivinhar. Aliás já estava adivinhando porque se sentiu sorrindo e também sentiu uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande de mais. Sempre se retinha um pouco como se retivesse as rédeas de um cavalo que poderia galopar e levá-la sabe Deus aonde. Ela se guardava. Por que e para quê? Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo de sua capacidade, pequena ou grande. Talvez se contivesse por medo de não saber os limites de uma pessoa. E quando notou que aceitava em pleno o amor, sua alegria foi tão grande que o coração lhe batia por todo o corpo, parecia-lhe que mil corações batiam-lhe nas profundezas de sua pessoa. Um direito-de-ser tomou-a, como se ela tivesse acabado de chorar ao nascer. Como? Como prolongar o nascimento pela vida inteira? Foi depressa ao espelho para saber quem era Loreley e para saber se podia ser amada. Mas assustou-se ao se ver. Eu existo, estou vendo, mas quem sou eu? E ela teve medo."
Clarice Lispector
Ilustração de Émile Friant. |
Ao iniciar um casamento, o homem deve se colocar a seguinte pergunta: você acredita que gostará de conversar com esta mulher até na velhice? Tudo o mais no casamento é transitório, mas a maior parte de tempo é dedicada à conversa.
Friedrich Nietzsche, in Humano, Demasiado Humano
Ennio Montariello |
Carta ao meu Adão
Ó amado
preciso te ver todas a manhãs
caminhando ou de bicicleta vou te ver, eu vou.
(escondida do rei)
Te busco peregrina
é dia claro
eu sem burca
me revelo
embora saia disfarçada
vestida das roupas que tirarei
diante do teu olhar imperador, ó inominável!
Caminho à tua beira e tuas súditas águas
se esparramam, se apressam em apagar meus passos
meus vestígios de mulher traicioneira.
Poemas de amor por ti? Muitos.
Pensamentos de loucura, lascívia e luxúria? Incontáveis.
Amo a tua bravura
a estrutura doce do teu sal
tua doçura insuspeitável.
De minha janela me chamas lindo,
um príncipe azul de lindo és quando assim me procuras.
Adão dessa cor e seus matizes, tu, meu amante espalhafatoso
imponente e importante és aquele que me dizes
O que sou, pra onde vou, quem eu sou e o que posso.
Ó Zeus do maleável,
Idealizador da tolerância
Fundador da serenidade
Justificador das tormentas
Explicador dos afogados,
Ó , és tu quem me tentas.
Não só te amo, é mais que isso,
transbordo.
Sem ir ao teu fundo, por medo, humildade e respeito
ainda assim sou tua e tu inundas meu fundo. Eu deixo, eu deixo...
(Quando era pequena minha calcinha de biquíni ficava cheia de areia e eu nem ligava, mas hoje essa imagem expõe a natureza do nosso negócio)
Te venero,
rei dos meus princípios
conselheiro de minhas vontades
tutor das possibilidades dos limites do meu juízo.
Te preciso todas as manhãs
e nesses quarenta dias longe de minha terra
fui ao teu encontro sorrateira e indiscutível,
como uma mulher busca o seu homem como uma puta ao seu cliente mais assíduo
como uma dama ao seu cavalheiro
como uma galinha ao seu galo,
uma fêmea ao seu macho parceiro.
Pois bem:
Amanhã acordarei com sol e irei ao nosso encontro,
aqui derradeiro.
Tu, ó misterioso senhor,
estarás contudo em outra parte
na costa de minha pátria já a me esperar sob os barcos,
e invadirás certamente algum convés a me buscar,
ó infinito persistente e uno que és!
Eu amanhã me despeço aqui de ti pra dizer que estarei sempre a teus pés com os meus pés, esses mesmos pés a quem primeiro beijas, antes de visitares todo o meu corpo,
A quem primeiro tocas antes de levar-me ao topo,
A quem primeiro batizas antes de eu chamar-te louco, desvairado amante,
Tresloucado céu invertido, meu Deus, meu pai, meu amigo, meu par!
Gracias pelos versos, por estes versos,
por teres me dado
equilíbrio, liberdade, abrigo e lar
Gracias por te amar, ó mar!
Elisa Lucinda