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terça-feira, 26 de março de 2024


 Abre-te, Primavera!

Tenho um poema à espera

Do teu sorriso.

Um poema indeciso

Entre a coragem e a covardia.

Um poema de lírica alegria

Refreada,

A temer ser tardia

E ser antecipada.

Dantes, nascias

Quando eu te anunciava.

Cantava,

E no meu canto acontecias

Como o tempo depois te confirmava.

Cada verso era a flor que prometias

No futuro sonhado…

Agora, a lei é outra: principias,

E só então eu canto confiado


Miguel Torga

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

slava.fokk-beautiful.tulip-2018

 

Canto como quem usa os versos

Em legítima defesa


Miguel Torga

terça-feira, 21 de setembro de 2021

 



Abre a janela, e olha!

Tudo o que vires é teu.

A seiva que lutou em cada folha,

E a fé que teve medo e se perdeu.


Abre a janela, e colhe!

É o que quiser a tua mão atenta:

Água barrenta,

Água que molhe,

Água que mate a sede…


Abre a janela, quanto mais não seja

Para que haja um sorriso na parede!


Miguel Torga

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Lembrança



Ponho um ramo de flores
na lembrança perfeita dos teus braços;
cheiro depois as flores
e converso contigo
sobre a nuvem que pesa no teu rosto;
dizes sinceramente
que é um desgosto.

Depois,
não sei por que nem por que não,
essa recordação
desfaz-se em fumo;
muito ao de leve foge a tua mão,
e a melodia já mudou de rumo.

Coisa esquisita é esta da lembrança!
Na maior noite,
na maior solidão,
sem a tua presença verdadeira,
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira!

Miguel Torga

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Clarão



O que isto é, viver! 
Abrir os olhos, ver, 
E ser o nevoeiro que se vê! 
Nevoeiro ao nascer, 
Nevoeiro ao morrer, 
E um destino na mão que se não lê... 


Miguel Torga, in 'Diário'

sábado, 28 de dezembro de 2013

Liberdade



– Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre nosso que sabia
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
– Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
– Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.


Miguel Torga

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Como é difícil ser natural

Luiza Gelts

É curioso como é difícil ser natural. Como a gente está sempre pronta a vestir a casaca das ideias, sem a humildade de se mostrar em camisa, na intimidade simples e humana da estupidez ou mesmo da indiferença. Fiz agora um grande esforço para dizer coisas brilhantes da guerra futura, da harmonia dos povos, da próxima crise. E, afinal de contas, era em camisa que eu devia continuar quando a visita chegou. No fundo, não disse nada de novo, não fiquei mais do que sou, não mudei o curso da vida. Fui apenas ridículo. Se não aos olhos do interlocutor, que disse no fim que gostou muito de me ouvir, pelo menos aos meus, o que ainda é mais penoso e mais trágico.

Miguel Torga, in "Diário (1947)"

domingo, 13 de outubro de 2013

À Poesia

Magic purple, by Armene

Vou de comboio...
Vou
Mecanizado e duro como sou
Neste dia;
- E mesmo asim tu vens, tu me visitas!
Tu ranges nestes ferros e palpitas
Dentro de mim, Poesia!

Vão homens a meu lado distraídos
Da sua condição de almas penadas;
Vão outros à janela, diluídos
Nas paisagens passadas...
E por que hei-de ter eu nos meus sentidos
As tuas formas brancas e aladas?

O campos, imprecisos, nos meus olhos,
Vão de braços abertos às montanhas;
O mar protesta contra não sei quê;
E eu, movido por ti, por tuas manhas,
A sonhar um painel que não se vê!

Por que me tocas? Por que me destinas
Este cilício vivo de cantar?
Por que hei-de eu padecer e ter matinas
Sem sequer acordar?

Por que há-de a tua vez chamar a estrela
Onde descansa e dorme a minha lira?
Que razão te dei eu
Para que a um gesto teu
A harmonia me fira?

Poeta sou e a ti me escravizei,
Incapaz de fugi ao meu destino.
Mas, se todo me dei,
Porque não há-de haver na tua lei
O lugar do menino
Que a fazer versos e a crescer fiquei?

Tanto me apetecia agora ser
Alguém que não cantasse nem sentisse!
Alguém que viesse padecer,
E não visse...

Alguém que fosse pelo dia fora
Neutro como um rapaz
Que come e bebe cada hora
Sem saber o que faz...

Alguém que não tivesse sentimentos,
Pressentimentos,
E coisas de escrever e de exprimir...
Alguém que se deitasse
No banco mais comprido que vagasse,
E pudesse dormir...

Mas eu sei que não posso.
Se que sou todo vosso,
Ritos, imagens, emoções!
Sei que serve quem ama,
E que eu jurei amor à minha dama,
À mágica senhora das paixões.

Musa bela, terrível e sagrada,
Imaculada Deusa do condão:
Aqui vou de longada;
Mas qui estou, e aqui serás louvada,
Se aqui mesmo me obriga a tua mão!


Miguel Torga, in "Odes"

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A Minha Luta



A minha luta é para encontrar o centro, o núcleo de toda uma infinidade de justificações, que superficialmente parecem satisfazer-me e são, afinal, folhas caducas do meu tronco. Determinar, numa palavra, que causa última me conduz, que força polariza os meus atos. Mas estou longe dessa descoberta. Eliminei o divino, porque era divino e eu sou humano; superei o pecado, porque viver sem pecado era um absurdo moral; e consegui perceber que a vida não é trágica por estar balizada pelo nascimento e pela morte, que são condições de existência e não condenações dela. Contudo, nada resolvi. Continua a escapar-me das mãos a sombra de um fantasma paradoxal. Uma sombra que é uma pura alucinação dos sentidos, que sabem que apenas o real lhes merece crédito, e, sobretudo, da razão, que sabe que a única consciência do mundo é ela própria, princípio e fim de si mesma.


Miguel Torga, in "Diário"

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Canção do Semeador




Na terra negra da vida,
Pouso do desespero,
É que o Poeta semeia
Poemas de confiança.
O Poeta é uma criança
Que devaneia.

Mas todo o semeador
Semeia contra o presente,
Semeia como vidente
A seara do futuro,
Sem saber se o chão é duro
E lhe recebe a semente.


Miguel Torga

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Depoimento



De seguro,
Posso apenas dizer que havia um muro
E que foi contra ele que arremeti
A vida inteira.
Não. Nunca o contornei.
Nunca tentei
Ultrapassá-lo de qualquer maneira.
A honra era lutar
Sem esperança de vencer.
E lutei ferozmente noite e dia,
Apesar de saber
Que quanto mais lutava mais perdia
E mais funda sentia
A dor de me perder.


Miguel Torga

domingo, 11 de novembro de 2012

Lembrança


Mia Bergeron 



Ponho um ramo de flores
na lembrança perfeita dos teus braços;
cheiro depois as flores
e converso contigo
sobre a nuvem que pesa no teu rosto;
dizes sinceramente
que é um desgosto.

Depois,
não sei por que nem por que não,
essa recordação
desfaz-se em fumo;
muito ao de leve foge a tua mão,
e a melodia já mudou de rumo.

Coisa esquisita é esta da lembrança!
Na maior noite,
na maior solidão,
sem a tua presença verdadeira,
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto,
e um ramo de flores, que não existe, cheira!


Miguel Torga

sábado, 27 de outubro de 2012

À Poesia

Shaun Stubley


Vou de comboio...
Vou
Mecanizado e duro como sou
Neste dia;
- E mesmo asim tu vens, tu me visitas!
Tu ranges nestes ferros e palpitas
Dentro de mim, Poesia!

Vão homens a meu lado distraídos
Da sua condição de almas penadas;
Vão outros à janela, diluídos
Nas paisagens passadas...
E porque hei-de ter eu nos meus sentidos
As tuas formas brancas e aladas?

O campos, imprecisos, nos meus olhos,
Vão de braços abertos às montanhas;
O mar protesta contra não sei quê;
E eu, movido por ti, por tuas manhas,
A sonhar um painel que não se vê!

Porque me tocas? Porque me destinas
Este cilício vivo de cantar?
Porque hei-de eu padecer e ter matinas
Sem sequer acordar?

Porque há-de a tua vez chamar a estrela
Onde descansa e dorme a minha lira?
Que razão te dei eu
Para que a um gesto teu
A harmonia me fira?

Poeta sou e a ti me escravizei,
Incapaz de fugi ao meu destino.
Mas, se todo me dei,
Porque não há-de haver na tua lei
O lugar do menino
Que a fazer versos e a crescer fiquei?

Tanto me apetecia agora ser
Alguém que não cantasse nem sentisse!
Alguém que viesse padecer,
E não visse...

Alguém que fosse pelo dia fora
Neutro como um rapaz
Que come e bebe cada hora
Sem saber o que faz...

Alguém que não tivesse sentimentos,
Pressentimentos,
E coisas de escrever e de exprimir...
Alguém que se deitasse
No banco mais comprido que vagasse,
E pudesse dormir...

Mas eu sei que não posso.
Se que sou todo vosso,
Ritos, imagens, emoções!
Sei que serve quem ama,
E que eu jurei amor à minha dama,
À mágica senhora das paixões.

Musa bela, terrível e sagrada,
Imaculada Deusa do condão:
Aqui vou de longada;
Mas qui estou, e aqui serás louvada,
Se aqui mesmo me obriga a tua mão!


Miguel Torga

sexta-feira, 1 de junho de 2012

alexandre serra


Todo o mar nos meus olhos, e não basta!
Enche-nos mais uma lágrima furtiva ...
Neste banquete azul, há um só conviva
Farto e feliz.
É o céu, que se debruça sobre as ondas
Sem amargura.
É ele, que não procura
Por detrás da verdade outra verdade.
Serenamente, lá da eternidade,
Bebe e come
A imagem refletida do seu nome.


Miguel Torga

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Outono


Tarde pintada 
Por não sei que pintor. 
Nunca vi tanta cor 
Tão colorida! 
Se é de morte ou de vida, 
Não é comigo. 
Eu, simplesmente, digo 
Que há fantasia 
Neste dia, 
Que o mundo me parece 
Vestido por ciganas adivinhas, 
E que gosto de o ver, e me apetece 
Ter folhas, como as vinhas. 

Miguel Torga, Diário X 

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Transfiguração


Tens agora outro rosto, outra beleza:
Um rosto que é preciso imaginar,
E uma beleza mais furtiva ainda...
Assim te modelaram caprichosas,
Mãos irreais que tornam irreal
O barro que nos foge da retina.
Barro que em ti passou de luz carnal
A bruma feminina...
Mas nesse novo encanto
Te conjuro
Que permaneças.
Distante e preservada na distância.
Olímpica recusa, disfarçada
De terrena promessa
Feita aos olhos tentados e descrentes.
Nenhum mito regressa....
Todas as deusas são mulheres ausentes...


Miguel Torga

terça-feira, 24 de maio de 2011

Confiança

by Luis Ricardo Falero


O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...


Miguel Torga


quarta-feira, 27 de abril de 2011

À Beleza

Anna Razumovskaya

Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.

És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.

És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.

És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.

És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.


Miguel Torga

sábado, 16 de abril de 2011

Um Poema



Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...


Miguel Torga

terça-feira, 12 de abril de 2011

 by GianniStrino

Foi longo o meu caminho de poeta,
Com versos de agonia demorada.
A vida imaginada
Paralela
À outra, acontecida.
E ambas a enfunar a mesma vela
Já sem rumo à partida.
Os áugures previam,
Os mapas ensinavam,
A bússola apontava...
Mas faltava a fé das almas confiadas.
Teimoso, repetia
A pergunta inquieta que fazia
Ao vazio das horas navegadas.
Que certa direção
Dar ao timão
Numa viagem sem qualquer sentido?
O mar diariamente enfurecido,
O céu diariamente enevoado,
E o barco fatalmente conduzido.
A um cais de morte sempre adivinhado...


Miguel Torga