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domingo, 9 de janeiro de 2022

Desato

Richard Oversmith 


É preciso fritar o arroz bastante antes de jogar água fervendo.

E não pode mexer jamais depois de a água ser posta.

O alho deve fritar no óleo junto com o arroz.

Coisas que eu sei e que não. Eu sei muitas coisas.

Faxina por exemplo. Sei limpar uma casa de tal modo

Que não sobra um canto que não tenha sido tocado

Por minhas mãos.

Depois vou sujando. Com muito gosto.

Deixo peças na sala e louças sujas na pia.

Não na mesma hora mas um pouco

Bastante depois volto limpando.

Assim me faço.

Nos objetos que me acompanham.

Gosto de andar nas ruas e comprar coisas

Que vão se arrumando em torno de mim.

Tenho muitas coisas, quero dizer, tenho muitas camadas.

Uma camada de livros outra de sapatos.

Tem a camada de plantas. E toalhas de rosto.

Tenho camadas de cosméticos e de adereços.

Uma camada de nomes e de coisas que vejo.

Tudo ordenado ao meu redor. Em forma de corpo.

Um corpo que me sustenta quando o meu próprio me falta.

Cadeiras são meus ossos. Sapatos são meus braços.

Torneiras em meus poros. Paredes como roupas de inverno.

(Quando toca música em minha casa sai do umbigo)

Descanso recostada nas paredes da casa

Que me guardam como um abraço.

Me abraço quando me derramo na sala.

E na cozinha. Em geral adormeço no quarto.

Tudo em minha casa tem existência.

Todas as coisas significo.

Com os olhos. Ou com as mãos.

Minha casa tem silêncios

Que ás vezes ouço. Em meu corpo

Tem silêncios maiores ainda.

Que às vezes ouço. E faço poemas.

Faço poemas dos silêncios que ouço.


 Viviane Mosé

segunda-feira, 3 de novembro de 2014


"O que caracteriza a vida é um jogo constante entre a dor e a alegria, entre a vida e a morte. Tudo que nasce tem de morrer para que a vida continue. É porque sabemos que vamos morrer que temos urgência de viver. É porque sentimos dor que valorizamos tanto a alegria. Além do mais, não há um ser humano que não tenha vivido a dor. E se houvesse, ele não saberia também o que é alegria."

Viviane Mosé, Trecho do livro "O homem que sabe."

sábado, 10 de agosto de 2013

Sobre Espinosa

paul kelly


É da natureza dos corpos, incluindo o corpo humano, afetar e ser afetado por outros corpos. Se o corpo que nos afeta compõe com o nosso, a sua capacidade de agir se adiciona à nossa, e provoca um aumento de nossa potência, então temos um bom encontro. Isto é alegria.

Um mau encontro é aquele em que um corpo, que se relaciona com o nosso, não combina com ele, e tende a decompor, ou destruir, a relação do nosso corpo consigo mesmo, e com os outros, o que nos leva à diminuição e consequentemente à tristeza. O mesmo acontece com a alma.

O afeto é, então, a potência de agir de um corpo. Quando a potência de agir aumenta, sinto alegria e quando diminui, sinto tristeza. Espinosa chama esta potencia de agir, de Deus, que se manifesta como alegria. Para ele, a única afeição é a alegria. Todos os outros afetos são derivações dela. A tristeza é somente ausência de alegria. O amor é a alegria acompanhada de uma causa exterior. Assim como o ódio é a ausência de alegria acompanhada de uma causa exterior.

Viviane Mosé

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O homem que sabe (trecho)


O pensamento é a nossa dignidade, porque nos permite vencer o sofrimento, não por meio da eliminação da dor como tem tentado a modernidade, com suas infinitas fábricas de ilusão, mas por meio de uma interpretação da vida que inclua o sofrimento. O homem deixa de ser arrastado pelo sofrimento quando o utiliza como impulso em direção a jornadas cada vez mais difíceis. O sofrimento é um impulso para a vida, e o que dignifica o homem é sua capacidade de afirmar aquilo que o aflige, invertendo a direção das forças. Todas as coisas podem ser interpretadas de infinitas maneiras, esta maleabilidade do pensamento, ou seja, sua capacidade perspectiva, ficou adormecida em função do valor dado à verdade no pensamento ocidental, mas pode ser retomada. Ver o mundo a partir de novas perspectivas é a meta, não mais uma cultura que se componha desde seu princípio como uma contranatureza, mas uma cultura que tenha como alvo afirmar a vida, fortalecê-la.

Em vez de negar o sofrimento constitutivo de tudo o que existe, a cultura pode se dedicar a fortalecer o homem, tornando-o capaz de enfrentá-lo. Podemos vencer a dor sentindo-a plenamente, utilizando como estimulante a arte, especialmente a música, o pensamento afirmativo, a contemplação da natureza, o corpo. O homem pode utilizar a dor como impulso para a vida, mas para isso precisa ter coragem de admitir seu vínculo e sua submissão à natureza.

Viviane Mosé, trecho do livro O Homem Que Sabe.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Lauri Blank


O amor às vezes ganha a terra
E finca suas raízes no chão

O amor aos poucos ganha pés e mãos
Ganha voz
Quando por fim chega sua vez

O amor se espraia e geme
Quando sobre ele derrama
O sol da manhã

E tudo ao redor floresce
Crianças crescendo diante dos olhos

O amor quando finca seus pés na terra
Descansa
Mesmo que a gente nunca não

O amor quando se fixa
Exala cheiro de café
Exala maio com suas meias de lã

E palavras macias como os lençóis
Da cama quase sempre desfeita

O amor tem seus segredos 
Que desvendamos enquanto a vida 
Passa

O amor suaviza a vista cansada
O amor modela o corpo
O amor precisa falar

O amor precisa dizer a que veio
O amor fornece mapas e senhas
O amor nos indica o caminho


Viviane Mosé

domingo, 21 de julho de 2013

Shaun Stubley


Todo dia arranco 
o véu do rosto 

A roupa de baixo, 
a pele das coisas 

Olho os cantos 
e varro os quartos 

Morro um pouco 
e enterro pedaços


Viviane Mosé

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Ode à vida



A partir de um dia qualquer
Eu não estarei mais aqui
Sob este sol de inverno
Sob esta luz sedutora
A tocar minha pele

A partir de um dia qualquer
Não mais me moverei
Por estes espaços escondidos 
Entre as coisas
Por estes abismos
Para onde me guiei
Por minhas próprias mãos

E não exultarei
Não transbordarei
Como de costume

E o som das matas
O vento nas folhas
O rio correndo
Meu filho dizendo mãe
Não mais perpassarão
Meus ouvidos

O trânsito lento
As festas de rua
Os banhos de mar
Continuarão sem mim

Então que meu rastro
Em forma de culto e de reza
Em forma de música
Seja o registro de um amor
Incondicional pela vida

A esta vida contraditória
Intensa e bela
A esta vida 
Desejo o meu melhor
Se houver


Viviane Mosé

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

haleh bryan 



Seu nome eu pronuncio. Seu nome é o que agora me nomeia

Agora seu rosto. Seus olhos. Seu corpo

Com minhas mãos eu passeio.

Seu contorno eu configuro com a língua.

Que é onde o gosto das coisas se deita.

Na ponta da língua eu trago eu te sorvo e te deleito


(ando pensando em você

isso engravida um pouco as coisas)



Viviane Mosé

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Outra carta

MaXu


Eu não sei se por esse vento frio entrando pela janela
ou quem sabe por esse vento frio entrando pela janela
ou mesmo por esse aconchego de meias de lãs e esse vento frio
entrando pela janela
ou por qualquer que seja o que for
[eu quero te dizer tantas coisas:
Todos os passos que dei um a um
[e todas as coisas que passaram
e tudo que foi se misturando ao que eu era.
Pra você ir sabendo o que sou
[posso cantar cada música que ouvi
e cada livro e cada bula de remédio e cada rosto
e cada tostão emprestado cada choro.
Os avisos e as ruas
[os andaimes as manchetes os incêndios os sinais.
Todas as manhãs. Todos os dias santos.
Tudo que me atravessou eu quero te mostrar
o corpo que ganhei esses anos os fios e as falhas
a voz e o avesso e o tempero e a calma.
Quero te contar o silêncio alcançado a custa de guerras
e as terras que plantei e os temporais. Os temporais.
E os nós na garganta.
É maio e eu morro de vergonha de falar de amor.
Mas esse vinho quem sabe veio aos verbos mostrar
que preciso de sua boca e seu cabelo e seu cheiro e sua mão:
eu não sou só verso
sou um corpo em lençóis de pele a te vestir como luva.
Meu corpo a te vestir
como luva.
Embriagada de vento e vinho penso na morte
e em seu pau duro.


Viviane Mosé 

domingo, 1 de julho de 2012

Toda Palavra

Francine Van Hove


Procuro uma palavra que me salve
Pode ser uma palavra verbo
Uma palavra vespa, uma palavra casta.
Pode ser uma palavra dura. Sem carinho.
Ou palavra muda,
molhada de suor no esforço da terra não lavrada.
Não ligo se ela vem suja, mal lavada.
Procuro uma coisa qualquer que saia soada do nada.
Eu imploro pelos verbos que tanto humilhei
e reconsidero minha posição em relação aos adjetivos.
Penso em quanta fadiga me dava
o excesso de frases desalinhadas em meu ouvido.
Hoje imploro uma fala escrita,
não pode ser cantada.
Preciso de uma palavra letra
grifada grafia no papel.
Uma palavra como um porto
um mar um prado
um campo minado um contorno
carrossel cavalo pente quebrado véu
 mariscos muralhas manivelas navalhas.
Eu preciso do escarcéu soletrado
Preciso daquilo que havia negado
E mesmo tendo medo de algumas palavras
preciso da palavra medo como preciso da palavra morte
que é uma palavra triste.
Toda palavra deve ser anunciada e ouvida.  
Nunca mais o desprezo por coisas mal ditas.
Toda palavra é bem dita e bem vinda.


Viviane Mosé

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Para uma nova gramática:

jaroslav monchak


imagine um sentimento água. um sentimento árvore. uma agonia vidro. uma emoção céu. uma espera pedra. um amor manga. um colorido vento sul. um jeito casa de ser. uma forma líquida de pensar. uma vida paredes. uma existência mar. uma solidão cordilheira. uma alegria pássaro em chuva fina. uma perda corpo.

acho que hoje acordei semente. tenho andado muito temporal. minha irmã vive um momento tudo. a vida às vezes transborda pelos poros. me atinge um estado livro. aurora em meus joelhos. tem pessoas ponte. algumas carregam a gravidade nas costas. já conheci gente buraco negro. eu amo o instante limo. tem um branco em mim. a vida me urca. sofro de saudade anônima. palavras me beijam a boca.


Viviane Mosé

terça-feira, 24 de abril de 2012

Irene



Depois de rodopiar casa adentro sem paz nem descanso, há dias espremendo cravos no rosto, não escrevo desde o ano passado. O estado de represa não é exatamente um estado de repouso mas de cheia e pressão. Estado de menstruação em atraso e amor contido. Alguma farpa no pé doendo, os peitos inchando e enchendo sem que haja filho. Estorvo e não escrevo. Não escrevo desde o ano passado. Se bem que o ano passou há pouco, pensei: palavras como filhos. Como eu queria escrever a história de um homem sentado na janela de um trem de minas, de terno escuro de linho e óculos, olhando a menina moça que vende doce de leite em forminhas de empada. Ele olha pra ela e depois o foguista ganha uns peixes do rapaz que um dia vai enamorar dela e casar. O rio corre ao largo sempre ralo e barrento. O homem de terno escuro olha como eu gostaria de ter olhado, a estação e a menina, que nem percebe o rapaz que deu os peixes e mora na pensão. Marília talvez fosse o nome dela. Marília de vestido amarelo amaria na relva o rapaz, somente pra que eu pudesse compor o amarelo em marília, ou o amor dos dois na relva. Caso pudesse suportar. Caso não fosse eu essa represa de poros por onde tudo vaza aos pouquinhos. Escorreria entre as mãos da mãe de Marília em casa, ao redor das crianças menores e limpas, tão limpas como o paninho bordado que forra a bandeja de doces. E o rapaz dos peixes eu o faria filho mais velho de uma mulher miúda e forte. Eles se amariam. aquela mulher e seu filho mais velho. Quando ela morresse ele choraria enrolado no chão como uma cobra. E a ternura dos olhos da mãe fincando morada nos olhos dele. O homem de terno escuro me pergunta e agora? ele quer saber pra onde eu vou levar essa gente e eu digo que essa gente me leva. A doçura do rapaz dos peixes me leva. O paninho bordado da bandeja de doces me leva, às tardes silenciosas quando bordávamos, minha avó e eu, na varanda que via o santuário. Me lembro do vento fresco e das agulhas furando o pano. Nossos planos miúdos e as roscas com café entre uma pausa e outra. A água molhando as rosas do jardim, a terra vermelha, e o silêncio, marcando tudo a ferro. Caladas, bordamos uma eternidade. Nos sabíamos irmãs, mesmo com o fosso do tempo entre nós. Nos sabíamos em silêncio a bordar. Foi quando aprendi a pegar o silêncio com as mãos, enfiar no buraco da agulha, e escrever. Tudo que escrevo desfio dessas tardes. Desvio dessas tardes. Escrevo a saudade dessas tardes. E um nó na garganta. amém.


Viviane Mosé, in  Pensamento do Chão, poemas em prosa e verso.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Prosa Patética

AWilliam A. Schneider



Nunca fui de ter inveja, mas de uns tempos pra cá tenho tido.
As mãos dadas dos amantes tem me tirado o sono.
Ontem, desejei com toda força ser a moça do supermercado.
Aquela que fala do namorado com tanta ternura.
Mesmo das brigas ando tendo inveja.
Meu vizinho gritando com a mulher, na casa cheia de crianças,
sempre querendo, querendo.
Me disseram que solidão é sina e é pra sempre.
Confesso que gosto do espaço que é ser sozinho.
Essa extensão, largura, páramo, planura, planície, região.
No entanto, a soma das horas acorda sempre a lembrança
do hálito quente do outro. A voz, o viço.
Hoje andei como louca, quis gritar com a solidão,
expulsar de mim essa Nossa senhora ciumenta.
Madona sedenta de versos. Mas tive medo.
Medo de que ao sair levasse a imensidão onde me deito.
Ausência de espelhos que dissolve a falta, a fraqueza, a preguiça.
E me faz vento, pedra, desembocadura, abotoadura e silêncio.
Tive medo de perder o estado de verso e vácuo,
onde tudo é grave e único. E me mantive quieta e muda.
E mais do que nunca tive inveja.
Invejei quem tem vida reta, quem não é poeta
nem pensa essas coisas. Quem simplesmente ama e é amado.
E lê jornal domingo. Come pudim de leite e doce de abóbora.

A mulher que engravida porque gosta de criança.
Pra mim tudo encerra a gravidade prolixa das palavras: madrugada, mãe, ônibus, olhos, desabrocham em camadas de sentido,
e ressoam como gongos ou sinos de igreja em meus ouvidos.
Escorro entre palavras, como quem navega um barco sem remo.
Um fluxo de líquidos. Um côncavo silêncio.
Clarice diz, que sua função é cuidar do mundo.
E eu, que não sou Clarice nem nada, fui mal forjada,
não tenho bons modos nem berço.
Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado, cantado, escrito.
O que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?
Eu, cuja única função é lavar palavra suja,
nesse fim de século sem certeza?
Eu quero que a solidão me esqueça.


Viviane Mosé

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Amostra sem valor

imagem: David Hamilton


Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.


Viviane Mosé

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Palavras


A palavra é uma roupa que a gente veste.
Uns gostam de palavras curtas.
Outros usam roupa em excesso.
Existem os que jogam palavra fora.
Pior são os que usam em desalinho.
Alguns usam palavras raras.
Poucos ostentam caras.
Tem quem nunca troca.
Tem quem usa a dos outros.
A maioria não sabe o que veste.
Alguns sabem e fingem que não.
E tem quem nunca usa a roupa certa pra ocasião.
Tem os que se ajeitam bem com poucas peças.
Outros se enrolam em um vocabulário de muitas.
Tem gente que estraga tudo que usa.
E você... com quais palavras você se despe?


Viviane Mosé

domingo, 5 de dezembro de 2010

Receita para arrancar poemas presos

An He


A maioria das doenças que as pessoas têm
São poemas presos.
Abscessos, tumores, nódulos, pedras são palavras
calcificadas,
Poemas sem vazão.
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado.
Prisão de ventre poderia um dia ter sido poema.
Mas não.
Pessoas às vezes adoecem da razão
De gostar de palavra presa.
Palavra boa é palavra líquida
Escorrendo em estado de lágrima

Lágrima é dor derretida.
Dor endurecida é tumor.
Lágrima é alegria derretida.
Alegria endurecida é tumor.
Lágrima é raiva derretida.
Raiva endurecida é tumor.
Lágrima é pessoa derretida.
Pessoa endurecida é tumor.
Tempo endurecido é tumor.
Tempo derretido é poema

Você pode arrancar poemas com pinças,
Buchas vegetais, óleos medicinais.
Com as pontas dos dedos, com as unhas.
Você pode arrancar poemas com banhos
De imersão, com o pente, com uma agulha.
Com pomada basilicão.
Alicate de cutículas.
Com massagens e hidratação.
Mas não use bisturi quase nunca.
Em caso de poemas difíceis use a dança.
A dança é uma forma de amolecer os poemas,
Endurecidos do corpo.
Uma forma de soltá-los,
Das dobras dos dedos dos pés, das vértebras.
Dos punhos, das axilas, do quadril.
São os poema cóccix, os poemas virilha.
Os poema olho, os poema peito.
Os poema sexo, os poema cílio.

Atualmente ando gostando de pensamento chão.
Pensamento chão é poema que nasce do pé.
É poema de pé no chão.
Poema de pé no chão é poema de gente normal,
Gente simples,
Gente de espírito santo.

Eu venho do espírito santo
Eu sou do espírito santo
Trago a Vitória do espírito santo
Santo é um espírito capaz de operar milagres
Sobre si mesmo.


 Viviane Mosé

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Receita para lavar roupa suja



Mergulhar a palavra suja em água sanitária,
Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol
adquirem consistência de certeza,
por exemplo a palavra vida.
Existem outras e a palavra amor é uma delas
que são muito encardidas e desgastadas pelo uso,
o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra,
depois enxaguar em água corrente.
São poucas as que ainda permanecem sujas
depois de submetidas a esses cuidados
mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram as manchas mais difíceis e nada.
Todas as tentativas de lavar a piedade foram sempre em vão.
Mas nunca vi palavra tão suja
como a palavra perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas,
soltam um líquido corrosivo
—que atende pelo nome de amargura—
capaz de esvaziar o vigor da língua.
Nesse caso o aconselhado é mantê-las sempre de molho
em um amaciante de boa qualidade.
Agora se o que você quer
é somente aliviar as palavras do uso diário,
pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.
O perigo aqui é misturar palavras que mancham
no contato umas com as outras.
A culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra
e deve ser sempre clareada sozinha.
Uma mistura pouco aconselhada é amizade e desejo,
já que desejo sendo uma palavra intensa, quase agressiva,
pode, o que não é inevitável,
esgarçar a força delicada da palavra amizade.
Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras
sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva
produz uma oleosidade que conserva a cor
e a intensidade dos sons.
Muito valioso na arte de lavar palavras
é saber reconhecer uma palavra limpa.
Para isso conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos
que passeie pelas expressões dos seus sentidos.
Á noite, permita que se deite,
não a seu lado, mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme
a palavra plantada em sua carne
prolifera em toda sua possibilidade.
Se puder suportar a convivência
até não mais perceber a presença dela,
então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.


Viviane Mosé