domingo, 22 de maio de 2011

Ennio Montariello 

É provável sim, é provável que ainda a ame,
que ame ainda nela o que antes soube amar,
a cabeleira escura, o ventre inquietante,
o peito guardando a alegria de um coração solar.

Os meus olhos profundos sempre a contemplaram
visivelmente perturbados, até mesmo perdidos,
quando ela caminhava abrindo rasgões no ar
que se fechavam depois à sua passagem
para cingir-lhe os braços, os seios e as ancas.

A sua boca tremeu na minha com a sede da musica
e o seu contato era o do musgo e da cinza
e dessas cerejas maduras pelo lume de Maio.

Não sei se estou a endeusá-la ou se ela é uma deusa.
Não sei mesmo se conseguirei dizer dela quanto gostaria.
Ela está tão perto do meu corpo que a minha pele se acende
e tão longe dos meus olhos que só poderei lembrá-la.

Fizémos muito amor e sempre muitas vezes
sem que entre nós esvoaçasse uma mínima sombra.
Quando ficávamos tristes, é que o espanto crescia
até ao minuto primeiro da tristeza.

É uma mulher maravilhosa, o seu nome que importa?,
tão frágil como um menino inocente, assim desamparada,
correndo para a loucura como antes correu para os meus braços.

Nenhuma paixão poderia doer-me mais.
Nenhuma ternura poderia mimar-me tanto.

O meu poema é uma casa erguida com a sua beleza
onde ela entra e de onde sai e algumas vezes se demora.

Poderei dizer que o meu coração é uma sala vazia?

A sua recordação ainda me perturba e disso tenho consciência.

Amo-a ainda ou não a amo já, é impossivel dizer,
mas é provável, sim, é provável que ainda a ame. 


Joaquim Pessoa