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sábado, 13 de abril de 2024

 


Ó espíritos errantes sobre a terra! Ó velas enfunadas sobre os mares!.. Vós bem sabeis quanto sois efêmeros… — passageiros que vos absorveis no espaço escuro, ou no escuro esquecimento.

E quando — comediantes do infinito — vos obumbrais nos bastidores do abismo, o que resta de vós?

— Uma esteira de espumas… — flores perdidas na vasta indiferença do oceano. — Um punhado de versos… — espumas flutuantes no dorso fero da vida!..

E o que são na verdade estes meus cantos?..

Como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, eles são filhos da musa — este sopro do alto; do coração — este pélago da alma.

E como as espumas são, às vezes, a flora sombria da tempestade, eles por vezes rebentaram ao estalar fatídico do látego da desgraça.

E como também o aljofre dourado das espumas reflete as opalas, rutilantes do arco-íris, eles por acaso refletiram o prisma fantástico da ventura ou do entusiasmo — estes signos brilhantes da aliança de Deus com a juventude!

Mas, como as espumas flutuantes levam, boiando nas solidões marinhas, a lágrima saudosa do marujo… possam eles, ó meus amigos! — efêmeros filhos de minh’alma — levar uma lembrança de mim às vossas plagas!

Castro Alves, Espumas Flutuantes

sexta-feira, 23 de julho de 2021



 — Uma esteira de espumas... — flores perdidas na vasta indiferença do oceano. — Um punhado de versos... — espumas flutuantes no dorso féro da vida!...

E o que são na verdade estes meus cantos?...

Como as espumas que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, eles são filhos da musa — este sopro do alto; do coração — este pelago da alma.

E como as espumas são, às vezes, a flora sombria da tempestade, eles por vezes rebentaram ao estalar fatídico do latego da desgraça.

E como também o aljofre dourado das espumas reflete as opalas rutilantes do arco-íris, eles por acaso refletiram o prisma fantástico da ventura ou do entusiasmo — estes signos brilhantes da aliança de Deus com a juventude!

Mas, como as espumas flutuantes levam, boiando nas solidões marinhas a lágrima saudosa do marujo... possam eles, ó meus amigos! — efêmeros filhos de minh′alma — levar uma lembrança de mim às vossas plagas!...


Castro Alves

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Poesia e mendicidade

Fernand Toussaint

(No álbum da Ex.ma Sra. D. Maria Justina Proença Pereira Peixoto)


I


Senhora! A Poesia outrora era a Estrangeira,
Pálida, aventureira, errante a viajar,
Batendo em duas portas — ao grito das procelas —
Ao céu — pedindo estrelas, à terra — um pobre lar!


Visão — de áureos lauréis — porém de manto esquálido,
Mulher — de lábio pálido — e olhar — cheio de luz.
Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam...
E os astros lhe resvalam — à flor dos ombros nus ...


II


Olhai! O sol descamba... A tarde harmoniosa
Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu.
Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento,
De um marco poeirento um velho então se ergueu.


Ergueu-se tateando... é cego... o cego anseia...
Porém o que tateia aquela augusta mão?
Talvez busca pegar o sol, que lento expira!...
Fado cruel... mentira!... Homero pede pão!


III


Mas ai! volvei, Senhora, os vossos belos olhos
Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai!
Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro...
o lar é hospitaleiro... Entrai, Senhora, entrail


Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura
Servem de compostura à sala vasta e chá.
A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia
A mão suave, esguia — à loura castelã.


Vai o banquete em meio... O bardo se alevanta
Pega da lira... canta... uma canção de amor...
Ouvi-o! Para ouvi-lo a estrela pensativa
Alonga pela ogiva um raio de languor!


Dos ramos do carvalho a brisa se debruça...
Na sala alguém soluça... (amor, ou languidez?)
Súbito a nota extrema anseia, treme, rola...
Alguém pede uma esmola... Senhora, não olheis!...


Assim nos tempos idos a musa canta e pede...
Gênio e mendigo... vede... o abismo de irrisões!
Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante...
Caminha roto o Dante! e pede pão Camões.


IV


Bem sei, Senhora, que ao talento agora
Surgiu a aurora de uma luz amena.
Hoje há salário p'ra qualquer trabalho,
Cinzel, ou malho, ferramenta ou pena!


Melhor que o Rei sabe pagar o pobre
Melhor que o nobre — protetor verdugo —!
Foi surdo um trono... à maior glória vossa...
Abre-se a choça aos Miseráveis de Hugo.


Porém não sei se é por costume antigo,
Que inda é mendigo do cantor o gênio.
Mudem-se os panos do cenário a esmo
O vulto é o mesmo... num melhor proscênio ...


V


Hoje o Poeta — caminheiro errante,
Que tem saudade de um país melhor
Pede uma pérola — à maré montante,
Do seio às vagas — pede — um outro amor.


Alma sedenta de ideal na terra
Busca apagar aquela sede atroz!
Pede a harmonia divinal, que encerra
Do ninho o chilro... da tormenta a voz!


E o rir da folha, o sussurrar da fala,
Trenos da estrela no amoroso estio.
Voz que dos poros o Universo exala
Do céu, da gruta, do alcantil, do rio!


Pede aos pequenos, desde o verme ao tojo,
Ao fraco, ao forte. . . — preces, gritos, uivos ...
Pede das águias o possante arrojo,
Para encontrar os meteoros ruivos.


Pede à mulher que seja boa e linda
— Vestal de um tipo que o ideal revela...
Pois ser formosa é ser melhor ainda...
Se és boa — és luz... mas se és formosa — estrela...


E pede à sombra p'ra aljofrar de orvalhos
A fronte azul da solidão noturna.
E pede às auras p'ra afagar os galhos
E pede ao lírio p'ra enfeitar a furna.


Pede ao olhar a maciez suave
Que tem o arminho e o edredon macio,
O aveludado da penugem d'ave,
Que afaga as plumas no palmar sombrio.


.................................................................................


E quando encontra sobre a terra ingrata
Um reverbero do clarão celeste,
— Alma formada de uma essência grata,
Que a lua — doura, e que um perfume veste;


Um rir, que nasce como o broto em maio;
Mostrando seivas de bondade infinda,
Fronte que guarda — a claridade e o raio,
— Virtude e graça — o ser bondosa e linda ...


Então, Senhora, sob tanto encanto
Pede o Poeta (que não tem renome)
— Versos — à brisa pra vos dar um canto...
Raios ao sol — p'ra vos traçar o nome! ...


Castro Alves

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A volta da primavera



Aime, et tu renaîtras; fais-toi fleur pour éclore.
Après avoir souffert, il faut souffrir encore.
Il faut aimer sans cesse, après avoir aimé.
Alfred de Musset


Ai não maldigas minha fronte pálida,
E o peito gasto ao referver de amores.
Vegetam louros — na caveira esquálida
E a sepultura se reveste em flores.

Bem sei que um dia o vendaval da sorte
Do mar lançou-me na gelada areia.
Serei... que importa? O D. Juan da morte
Dá-me o teu seio — e tu serás Haidéia!

Pousa esta mão — nos meus cabelos úmidos!...
Ensina à brisa ondulações suaves!
Dá-me um abrigo nos teus seios túmidos!
Fala!... que eu ouço o pipilar das aves!

Já viste às vezes, quando o sol de Maio
Inunda o vale, o matagal e a veiga?
Murmura a relva: "Que suave raio."
Responde o ramo: "Como a luz é meiga!"

E, ao doce influxo do clarão do dia,
O junco exausto, que cedera à enchente,
Levanta a fronte da lagoa fria...
Mergulha a fronte na lagoa ardente...

Se a natureza apaixonada acorda
Ao quente afago do celeste amante,
Diz!... Quando em fogo o teu olhar transborda,
Não vês minh’alma reviver ovante?

É que teu riso me penetra n’alma —
Como a harmonia de uma orquestra santa —
É que teu riso tanta dor acalma...
Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!

Que eu digo ao ver tua celeste fronte:
"O céu consola toda dor que existe.
"Deus fez a neve — para o negro monte!
"Deus fez a virgem — para o bardo triste!"


Castro Alves

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Os três amores

Photography by Keller and Wittwer



I

Minh’alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora...
Sou Tasso!... a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora...
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes...
— Tu és Eleonora...

II

Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu... teu lânguido poeta!...
Sonho-te às vezes virgem... seminua...
Roubo-te um casto beijo à luz da lua...
— E tu és Julieta...

III

Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola...
Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha...
Eu morro, se desfaço-te a mantilha...
Tu és — Júlia, a Espanhola!...


Castro Alves

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Poesia e Mendicidade

Boris Geer


I
Senhora! A poesia outrora era a Estrangeira,
Pálida, aventureira, errante a viajar,
Batendo em duas portas — ao grito das procelas —
Ao céu — pedindo estrelas, à terra — um pobre lar!

Visão — de áureos lauréis — porém de manto esquálido,
Mulher — de lábio pálido — e olhar — cheio de luz.
Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam...
E os astros lhe resvalam — à flor dos ombros nus...

II
Olhai! O sol descamba... A tarde harmoniosa
Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu.
Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento,
De um marco poeirento um velho então se ergueu.

Ergueu-se tateando... é cego... o cego anseia...
Porém o que tateia aquela augusta mão?...
Talvez busca pegar o sol, que lento expira!...
Fado cruel..., mentira!... Homero pede pão!

III
Mas ai! volvei, Senhora, os vossos belos olhos
Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai!
Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro...
O lar é hospitaleiro... Entrai, Senhora, entrai!

Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura
Servem de compostura à sala vasta e chã.
A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia
A mão suave, esguia — a loura castelã.

Vai o banquete em meio... O bardo se alevanta
Pega da lira... canta... uma canção de amor...
Ouvi-o! Para ouvi-lo a estrela pensativa
Alonga pela ogiva um raio de langor!

Dos ramos do carvalho a brisa se debruça...
Na sala alguém soluça... (amor, ou languidez?)
Súbito a nota extrema anseia, treme, rola...
Alguém pede uma esmola... Senhora, não olheis!...

Assim nos tempos idos a musa canta e pede...
Gênio e mendigo... vede!... o abismo de irrisões!
Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante...
Caminha roto o Dante! e pede pão Camões.

IV
Bem sei, Senhora, que ao talento agora
Surgiu a aurora de uma luz amena.
Hoje há salário pra qualquer trabalho,
Cinzel, ou malho, ferramenta ou pena!

Melhor que o Rei sabe pagar o pobre
Melhor que o nobre — protetor verdugo —!
Foi surdo um trono... à maior glória vossa...
Abre-se a choça aos "Miseráveis" de Hugo.

Porém não sei se é por costume antigo,
Que inda é mendigo do cantor o gênio.
Mudem-se os panos do cenário a esmo
O vulto é o mesmo... num melhor proscênio...

V
Hoje o Poeta — caminheiro errante,
Que tem saudades de um país melhor.
Pede uma pérola — à maré montante,
Do seio às vagas — pede — um outro amor.

Alma sedenta de ideal na terra
Busca apagar aquela sede atroz!
Pede a harmonia divinal, que encerra
Do ninho o chilro... da tormenta a voz!

E o rir da folha, o sussurrar da fala,
Trenos da estrela no amoroso estio,
Voz que dos poros o Universo exala
Do céu, da gruta, do alcantil, do rio!

Pede aos pequenos, desde o verme ao tojo,
Ao fraco, ao forte... — preces, gritos, uivos...
Pede das águias o possante arrojo,
Para encontrar os meteoros ruivos.

Pede à mulher que seja boa e linda
— Vestal de um tipo que o ideal revela...
Pois ser formosa é ser melhor ainda...
Se és boa — és luz... mas se és formosa — estrela...

E pede à sombra, pra aljôfar de orvalhos
A fronte azul da solidão noturna,
E pede às auras, pra afagar os galhos.
E pede ao lírio, pra enfeitar a furna.

Pede ao olhar a maciez suave
Que tem o arminho e o edredom macio,
O aveludado da penugem d’ave,
Que afaga as plumas no palmar sombrio.

...............................................................

E quando encontra sobre a terra ingrata
Um reverbero do clarão celeste,
— Alma formada de uma essência grata,
Que a lua — doura, e que um perfume veste;

Um rir, que nasce como o broto em maio,
Mostrando seivas de bondade infinda,
Fronte que guarda — a claridade e o raio,
— Virtude e graça — o ser bondosa e linda...

Então, Senhora, sob tanto encanto
Pede o Poeta (que não tem renome)
— Versos — à brisa pra vos dar um canto...
Raios ao sol — pra vos traçar o nome!...


Castro Alves

sábado, 4 de agosto de 2012

Aves de Arribação

 Tiago Hoisel

Pensava em ti nas horas de tristeza
Quando estes versos pálidos compus.
Cercavam-me planícies sem beleza,
Pesava-me na fronte um céu sem luz.

Ergue este ramo solto no caminho.
Sei que em teu seio asilo encontrará.
Só tu conheces o secreto espinho
Que dentro d’alma me pungindo está!
Fagundes Varela

Aves, é primavera! à rosa! à rosa!
Tomás Ribeiro


I

Era o tempo em que as ágeis andorinhas
Consultam-se na beira dos telhados,
E inquietas conversam, perscrutando
Os pardos horizontes carregados...

Em que as rolas e os verdes periquitos
Do fundo do sertão descem cantando...
Em que a tribo das aves peregrinas
Os Zíngaros do céu formam-se em bando!

Viajar! viajar! A brisa morna
Traz de outro clima os cheiros provocantes.
A primavera desafia as asas,
Voam os passarinhos e os amantes!...

II

Um dia Eles chegaram. Sobre a estrada
Abriram à tardinha as persianas;
E mais festiva a habitação sorria
Sob os festões das trêmulas lianas.

Quem eram? Donde vinham? — Pouco importa
Quem fossem da casinha os habitantes.
— São noivos —: as mulheres murmuravam!
E os pássaros diziam: — São amantes — !

Eram vozes — que uniam-se co’as brisas!
Eram risos — que abriam-se co’as flores!
Eram mais dous clarões — na primavera!
Na festa universal — mais dous amores!

Astros! Falai daqueles olhos brandos.
Trepadeiras! Falai-lhe dos cabelos!
Ninhos d’aves! dizei, naquele seio,
Como era doce um pipilar d’anelos.

Sei que ali se ocultava a mocidade...
Que o idílio cantava noite e dia...
E a casa branca à beira do caminho
Era o asilo do amor e da poesia.

Quando a noite enrolava os descampados,
O monte, a selva, a choça do serrano,
Ouviam-se, alongando a paz dos ermos,
Os sons doces, plangentes de um piano.

Depois suave, plena, harmoniosa
Uma voz de mulher se alevantava...
E o pássaro inclinava-se das ramas
E a estrela do infinito se inclinava.

E a voz cantava o tremolo medroso
De uma ideal sentida barcarola...
Ou nos ombros na noite desfolhava
As notas petulantes da Espanhola!

III

Às vezes, quando o sol nas matas virgens
A fogueira das tardes acendia,
E como a ave ferida ensangüentava
Os píncaros da longa serrania,

Um grupo destacava-se amoroso,
Tendo por tela a opala do infinito,
Dupla estátua do amor e mocidade
Num pedestal de musgos e granito.

E embaixo o vale a descantar saudoso
Na cantiga das moças lavadeiras!...
E o riacho a sonhar nas canas bravas,
E o vento a s’embalar nas trepadeiras.

Ó crepúsculos mortos! Voz dos ermos!
Montes azuis! Sussurros da floresta!
Quando mais vós tereis tantos afetos
Vicejando convosco em vossa festa?...

E o sol poente inda lançava um raio
Do caçador na longa carabina...
E sobre a fronte d’Ela por diadema
Nascia ao longe a estrela vespertina.

IV

É noite! Treme a lâmpada medrosa
Velando a longa noite do poeta...
Além, sob as cortinas transparentes
Ela dorme... formosa Julieta!

Entram pela janela quase aberta
Da meia-noite os preguiçosos ventos
E a lua beija o seio alvinitente
— Flor que abrira das noites aos relentos.

O Poeta trabalha!... A fronte pálida
Guarda talvez fatídica tristeza...
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Tendo por musa — o amor e a natureza!

E como o cácto desabrocha a medo
Das noites tropicais na mansa calma,
A estrofe entreabre a pétala mimosa
Perfumada da essência de sua alma.

No entanto Ela desperta... num sorriso
Ensaia um beijo que perfuma a brisa...
... A Casta-diva apaga-se nos montes...
Luar de amor! acorda-te, Adalgisa!

V

Hoje a casinha já não abre à tarde
Sobre a estrada as alegres persianas.
Os ninhos desabaram... no abandono
Murcharam-se as grinaldas de lianas.

Que é feito do viver daqueles tempos!
Onde estão da casinha os habitantes?
... A primavera, que arrebata as asas...,
Levou-lhe os passarinhos e os amantes!...


Castro Alves

domingo, 29 de julho de 2012

Roman_Frances



O coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um — tem o mel da granadilha agreste,

Bebe os perfumes, que a bonina deu.

O outro — voa em mais virentes balças,
Pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel — a que se chama — crenças —,
Vive do aroma — que se diz — amor. —


Castro Alves

domingo, 22 de julho de 2012

Os Perfumes



A L.
O sândalo é o perfume das mulheres
de Istambul, e das huris do profeta; como
as borboletas, que se alimentam do
mel, a mulher do Oriente vive com as
gotas dessa essência divina.
José de Alencar


O perfume é o invólucro invisível,
Que encerra as formas da mulher bonita.
Bem como a salamandra em chamas vive,
Entre perfumes a sultana habita.

Escrínio aveludado onde se guarda
— Colar de pedras — a beleza esquiva,
Espécie de crisálida, onde mora
A borboleta dos salões — a Diva.

Alma das flores — quando as flores morrem,
Os perfumes emigram para as belas,
Trocam lábios de virgens — por boninas,
Trocam lírios — por seios de donzelas!

E ali — silfos travessos, traiçoeiros
Voam cantando em lânguido compasso
Ocultos nesses cálices macios
Das covinhas de um rosto ou dum regaço.

Vós, que não entendeis a lenda oculta,
A linguagem mimosa dos aromas,
De Madalena a urna olhais apenas
Como um primor de orientais redomas

E não vedes que ali na mirra e nardo
Vai toda a crença da Judia loura...
E que o óleo, que lava os pés do Cristo,
É uma reza também da pecadora.

Por mim eu sei que há confidências ternas,
Um poema saudoso, angustiado,
Se uma rosa de há muito emurchecida,
Rola acaso de um livro abandonado.

O espírito talvez dos tempos idos
Desperta ali como invisível nume...
E o poeta murmura suspirando:
"Bem me lembro... era este o seu perfume!"

E que segredo não revela acaso
De uma mulher a predileta essência?
Ora o cheiro é lascivo e provocante!
Ora casto, infantil, como a inocência!

Ora propala os sensuais anseios
D’alcova de Ninon ou Margarida,
Ora o mistério divinal do leito,
Onde sonha Cecília adormecida.

Aqui, na magnólia de Celuta
Lambe a solta madeixa, que se estira.
Unge o bronze do dorso da caboc’la,
E o mármore do corpo da Hetaira.

É que o perfume denuncia o espírito
Que sob as formas feminis palpita...
Pois como a salamandra em chamas vive,
Entre perfumes a mulher habita.


Castro Alves

terça-feira, 3 de julho de 2012

Espumas Flutuantes


Prólogo


Era por uma dessas tardes, em que o azul do céu oriental — é pálido e saudoso, em que o rumor do vento nas vergas — é monótono e cadente, e o quebro da vaga na amurada do navio — é queixoso e tétrico.
Das bandas do Ocidente o sol se atufava nos mares "como um brigue em chamas"... e daquele vasto incêndio do crepúsculo alastrava-se a cabeça loura das ondas.
Além... os cerros de granito dessa formosa terra da Guanabara, vacilantes, a lutarem com a onda invasora de azul, que descia das alturas... recortavam-se indecisos na penumbra do horizonte.
Longe, inda mais longe... os cimos fantásticos da serra dos Órgãos embebiam-se na distância, sumiam-se, abismavam-se numa espécie de naufrágio celeste.
Só e triste, encostado à borda do navio, eu seguia com os olhos aquele esvaecimento indefinido e minha alma apegava-se à forma vacilante das montanhas — derradeiras atalaias dos meus arraiais da mocidade.
É que lá, dessas terras do Sul, para onde eu levara o fogo de todos os entusiasmos, o viço de todas as ilusões, os meus vinte anos de seiva e de mocidade, as minhas esperanças de glória e de futuro:... é que dessas terras do Sul, onde eu penetrara "como o moço Rafael subindo as escadas do Vaticano;"... volvia agora silencioso e alquebrado... trazendo por única ambição — a esperança de repouso em minha pátria.
Foi então que, em face destas duas tristezas — a noite que descia dos céus, — a solidão que subia do oceano —, recordei-me de vós, ó meus amigos!
E tive pena de lembrar que em breve nada restaria do peregrino na terra hospitaleira, onde vagara; nem sequer a lembrança desta alma, que convosco e por vós vivera e sentira, gemera e cantara...
Ó espíritos errantes sobre a terra! Ó velas enfunadas sobre os mares!... Vós bem sabeis quanto sois efêmeros... — passageiros que vos absorveis no espaço escuro, ou no escuro esquecimento.
E quando — comediantes do infinito — vos obumbrais nos bastidores do abismo, o que resta de vós?
— Uma esteira de espumas... — flores perdidas na vasta indiferença do oceano. — Um punhado de versos... — espumas flutuantes no dorso fero da vida!...
E o que são na verdade estes meus cantos?...
Como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, eles são filhos da musa — este sopro do alto; do coração — este pélago da alma.
E como as espumas são, às vezes, a flora sombria da tempestade, eles por vezes rebentaram ao estalar fatídico do látego da desgraça.
E como também o aljofre dourado das espumas reflete as opalas rutilantes do arco-íris, eles por acaso refletiram o prisma fantástico do entusiasmo — estes signos brilhantes da aliança de Deus com a juventude!
Mas, como as espumas flutuantes levam, boiando nas solidões marinhas, a lágrima saudosa do marujo... possam eles, ó meus amigos! — efêmeros filhos de minh’alma — levar uma lembrança de mim às vossas plagas!...


Castro Alves


quarta-feira, 11 de abril de 2012

Horas de Saudade

paul-kelley


Tudo vem me lembrar que tu fugiste,
Tudo que me rodeia de ti fala.
Inda a almofada, em que pousaste a fronte
O teu perfume predileto exala

No piano saudoso, à tua espera,
Dormem sono de morte as harmonias.
E a valsa entreaberta mostra a frase
A doce frase qu'inda há pouco lias.

As horas passam longas, sonolentas...
Desce a tarde no carro vaporoso...
D'Ave-Maria o sino, que soluça,
É por ti que soluça mais queixoso.

E não vens te sentar perto, bem perto
Nem derramas ao vento da tardinha,
A caçoula de notas rutilantes
Que tua alma entornava sobre a minha.

E, quando uma tristeza irresistível
Mais fundo cava-me um abismo n'alma,
Como a harpa de Davi teu riso santo
Meu acerbo sofrer já não acalma.

É que tudo me lembra que fugiste.
Tudo que me rodeia de ti fala...
Como o cristal da essência do oriente
Mesmo vazio a sândalo trescala.

No ramo curvo o ninho abandonado
Relembra o pipilar do passarinho.
Foi-se a festa de amores e de afagos...
Eras — ave do céu... minh'alma — o ninho!

Por onde trilhas — um perfume expande-se
Há ritmo e cadência no teu passo!
És como a estrela, que transpondo as sombras,
Deixa um rastro de luz no azul do espaço...

E teu rastro de amor guarda minh'alma,
Estrela que fugiste aos meus anelos!
Que levaste-me a vida entrelaçada
Na sombra sideral de teus cabelos!...


Castro Alves

sexta-feira, 25 de março de 2011

Duas flores


Christiane Vleugels.

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Christiane Vleugels

Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!


Castro Alves

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Adormecia

Zinaida Serebryakova


Ses longs cheveux épars la couvrent tout entièreLa croix de son collier repose dans sa main,Comme pour témoigner qu'elle a fait sa prière.Et qu'elle va la faire en s'éveillant demain.
A. de Musset

Uma noite eu me lembro… Ela dormia
Numa rede encostada molemente…
Quase aberto o roupão… solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

‘Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina…
E ao longe, num pedaço do horizonte
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras
Iam na face trêmulos – beijá-la.

Era um quadro celeste!… A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia…
Quando ela serenava… a flor beijava-a…
Quando ela ia beijar-lhe… a flor fugia…

Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças…
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava ora afastava-se…
Mas quando a via despeitada a meio,
P'ra não zangá-la… sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio…

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
“Ó flor! – tu és a virgem das campinas!
"Virgem! – tu és a flor da minha vida!.. .”

Castro Alves
(Espumas Flutuantes)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Beijo Eterno

Jon PAUL  

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue.
Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!
Fora, repouse em paz
Dormindo em calmo sono a calma natureza,
Ou se debata, das tormentas presa,
Beija inda mais!
E, enquanto o brando calor
Sinto em meu peito de teu seio,
Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,
Com o mesmo ardente amor!...
Diz tua boca: "Vem!"
Inda mais! diz a minha, a soluçar... Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais!
que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!


Castro Alves

domingo, 19 de setembro de 2010

Adormecida


Ses longs cheveux épars la couvrent tout entière.
La croix de son collier repose dans sa main,
Comme pour témoigner qu’elle a fait sa prière,
Et qu’elle va la faire en s'éveillant demain.
(A. de Musset)


Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos – beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
P’ra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
“Ó flor! – tu és a virgem das campinas!
“Virgem! – tu és a flor de minha vida!...”

Castro Alves

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Dama Negra

christiane_vleugels


Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar…
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;

Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.

Tua voz é a cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento;

E como em noites de Itália,
Ama um canto o pescador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.

Teu sorriso é uma aurora.
Que o horizonte enrubesceu,
— Rosa aberta com o biquinho
Das aves rubras do céu;

Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.

Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;

Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no langor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?

Teu amor na treva é — um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa — nas calmarias,
É abrigo — no tufão;

Por isso eu te amo, querida,
Quer no prazer, quer na dor,…
Rosa! Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor!

Castro Alves

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

É tarde!



Olha-me, Ó virgem, a fronte!
Olha-me os olhos sem luz!
A palidez do infortúnio
Por minhas faces transluz;
Olha, ó virgem - não te iludas
Eu só tenho a lira e a cruz.

JUNQUEIRA FREIRE


É tarde! É muito tarde!

MONT’ ALVERNE



E tarde! E muito tarde! O templo é negro...
O fogo-santo já no altar não arde.
Vestal! não venhas tropeçar nas piras ...
É tarde! É muito tarde!


Treda noite! E minh'alma era o sacrário,
A lâmpada do amor velava entanto,
Virgem flor enfeitava a borda virgem
Do vaso sacrossanto.


Quando Ela veio — a negra feiticeira —
A libertina, lúgubre bacante,
Lascivo olhar, a trança desgrenhada,
A roupa gotejante.


Foi minha crença — o vinho dessa orgia,
Foi minha vida — a chama que apagou-se,
Foi minha mocidade — o touro lúbrico,
Minh'alma - o tredo alcouce.


E tu, visão do céu! Vens tateando
O abismo onde uma luz sequer não arde?
Ai! não vás resvalar no chão lodoso ...
É tarde! É muito tarde!


Ai! não queiras os restos do banquete!
Não queiras esse leito conspurcado!
Sabes? meu beijo te manchara os lábios
Num beijo profanado.


A flor do lírio de celeste alvura
Quer da lucíola o pudico afago ...
O cisne branco no arrufar das plumas
Quer o aljôfar do lago.


É tarde! A rola meiga do deserto
Faz o ninho na moita perfumada ...
Rola de amor! não vás ferir as asas
Na ruína gretada.


Como o templo, que o crime encheu de espanto,
Ermo e fechado ao fustigar do norte,
Nas ruínas desta alma a raiva geme ...
E cresce o cardo — a morte —.


Ciúme! dor! sarcasmo! - Aves da noite!
Vós povoais-me a solidão sombria,
Quando nas trevas a tormenta ulula
Um uivo de agonia! ...


* * *


É tarde! Estrela-d'alva! o lago é turvo.
Dançam fogos no pântano sombrio ..
Pede a Deus que dos céus as cataratas
Façam do brejo - um rio!


Mas não ...! Somente as vagas do sepulcro
Hão de apagar o fogo que em mim arde .
Perdoa-me, Senhora! ... Eu sei que morro .
É tarde! É muito tarde! ...


Castro Alves

domingo, 15 de agosto de 2010

Hebréia


Pomba d'esp'rança sobre um mar d'escolhos!
Lírio do vale oriental, brilhante!
Estrela vésper do pastor errante!
Ramo de murta a recender cheirosa! ...

Tu és, ó filha de Israel formosa...
Tu és, ó linda, sedutora Hebréia...
Pálida rosa da infeliz Judéia
Sem ter o orvalho, que do céu deriva!

Por que descoras, quando a tarde esquiva
Mira-se triste sobre o azul das vagas?
Serão saudades das infindas plagas,
Onde a oliveira no Jordão se inclina?

Sonhas acaso, quando o sol declina,
A terra santa do Oriente imenso?
E as caravanas no deserto extenso?
E os pegureiros da palmeira à sombra?!

Sim, fora belo na relvosa alfombra,
Junto da fonte, onde Raquel gemera,
Viver contigo qual Jacó vivera
Guiando escravo teu feliz rebanho ...

Depois nas águas de cheiroso banho
— Como Susana a estremecer de frio —
Fitar-te, ó flor do babilônio rio,
Fitar-te a medo no salgueiro oculto ...

Vem pois!... Contigo no deserto inculto,
Fugindo às iras de Saul embora,
Davi eu fora, — se Micol tu foras,
Vibrando na harpa do profeta o canto ...

Não vês?... Do seio me goteja o pranto
Qual da torrente do Cédron deserto!...
Como lutara o patriarca incerto
Lutei, meu anjo, mas caí vencido.

Eu sou o lótus para o chão pendido.
Vem ser o orvalho oriental, brilhante!...
Ai! guia o passo ao viajor perdido,
Estrela vésper do pastor errante! ...

Castro Alves

domingo, 8 de agosto de 2010

Penso em ti

Angelos Panayiotou 


Eu penso em ti nas horas de tristeza
Quando rola a esperança emurchecida
Nas horas de saudade e morbidez
Ai! Só tu és minha ilusão querida
Eu penso em ti nas horas de tristeza.

Vê quanta sombra me escurece o seio!
Que palidez sombria no meu rosto!
Tu és a única luz da treva em meio
Tu és a minha estrela do sol posto...
Contigo a sombra não me tolda o seio.

Quando a teus pés o meu viver s'escoa,
Esqueço a minha sorte, o meu martírio,
Minh'alma como a pomba em sangue voa
Para ir se abrigar à tua, ó lírio,
Quando a teus pés o meu viver s'escoa ...

Bendito o riso desses lábios túmidos!
Bendito o meigo olhar tão peregrino!
Como o sol abre a flor nos campos úmidos
Crenças desperta o teu divino olhar...
E o riso, o riso desses lábios túmidos

Ai! volve! volve peregrina estrela...
Minh'alma é o templo de um amor suave
À tua espera o lampadário vela...
À tua espera perfumou-se a nave...
Ai! volve! volve peregrina estrela!

Castro Alves

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Noite de amor


Passava a lua pelo azul do espaço
De teu regaço
A namorar o alvor!
Como era tema no seu brando lume...
Tive ciúme
De ver tanto amor.

Como de um cisne alvinitentes plumas
Iam as brumas
A vagar nos céus,
Gemia a brisa — perfumando a rosa —
Terna, queixosa
Nos cabelos teus.

Que noite santa! Sempre o lábio mudo
A dizer tudo
A suspirar paixão
De espaço a espaço — um fervoroso beijo
E após o beijo
E tu dizias — "Não!... "

Eu fui a brisa, tu me foste a rosa,
Fui mariposa
— Tu me foste a luz!
Brisa — beijei-te; mariposa — ardi-me,
E hoje me oprime
Do martírio a cruz

E agora quando na montanha o vento
Geme lamento
De infinito amor,
Buscando debalde te escutar as juras
Não mais venturas...
Só me resta a dor.

Seria um sonho aquela noite errante?...
Diz', minha amante!...
Foi real... bem sei...
Ai! não me negues... Diz-me a lua, o vento
Diz-me o tormento...
Que por ti penei!

Castro Alves