Mostrando postagens com marcador Eduardo Galeano. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Eduardo Galeano. Mostrar todas as postagens

sábado, 13 de abril de 2024

O direito ao delírio


Que tal começarmos a exercer

O direito de sonhar?

Que tal se delirarmos um pouquinho?

No próximo milênio, o ar estará limpo

de todo veneno

O televisor deixará de ser

o membro mais importante da família

As pessoas trabalharão para viver,

em vez de viver para trabalhar.

Os economistas não chamarão

nível de vida o nível de consumo,

nem chamarão qualidade de vida

a quantidade de coisas.

Ninguém será considerado herói

ou tolo só porque faz aquilo que

acredita ser justo, em vez de fazer

aquilo que mais lhe convém.

A comida não será uma mercadoria,

nem a comunicação um negócio,

porque comida e comunicação

são direitos humanos.

A educação não será um privilégio

apenas de quem possa pagá-la.

A polícia não será a maldição daqueles

que não podem comprá-la.

A justiça e a liberdade,

irmãs siamesas

condenadas a viverem separadas,

voltarão a juntar-se, bem unidas

ombro com ombro.

E os desertos do mundo e os desertos

da alma serão reflorestados.


Eduardo Galeano

#art: paint-the-future-by-andrew-judd

sexta-feira, 5 de abril de 2024

O sonhos de Helena

 


Naquela noite, os sonhos faziam fila, querendo ser sonhados, mas Helena

não podia sonhá-los todos, não dava. Um dos sonhos, desconhecido, se

recomendava:

— Sonhe-me, vale a pena. Sonhe-me, que vai gostar. Faziam fila alguns

sonhos novos, jamais sonhados, mas Helena reconhecia o sonho bobo, que sempre

voltava, esse chato, e outros sonhos cômicos ou sombrios que eram velhos

conhecidos de suas noites voadoras.


Eduardo Galeano, O livro dos abraços

domingo, 24 de dezembro de 2023


 Levo comigo um maço vazio e amassado de Republicana e uma revista velha que ficou por aqui. Levo comigo as duas últimas passagens de trem. Levo comigo um guardanapo de papel com minha cara que você desenhou, da minha boca sai um balãozinho com palavras, as palavras dizem coisas engraçadas. Também levo comigo uma folha de acácia recolhida na rua, uma outra noite, quando caminhávamos separados pela multidão. E outra folha, petrificada, branca, com um furinho como uma janela, e a janela estava fechada pela água e eu soprei e vi você e esse foi o dia em que a sorte começou.

Levo comigo o gosto do vinho na boca. (Por todas as coisas boas, dizíamos, todas as coisas cada vez melhores que nos vão acontecer.)

Não levo nem uma única gota de veneno. Levo os beijos de quando você partia (eu nunca estava dormindo, nunca). E um assombro por tudo isso que nenhuma carta, nenhuma explicação, podem dizer a ninguém o que foi.


- Eduardo Galeano, no livro “Vagamundo”

quarta-feira, 24 de agosto de 2022


 "Os corpos, abraçados, vão mudando de posição enquanto dormimos, virando para cá, para lá, sua cabeça em meu peito, minha perna sobre seu ventre, e ao girarem os corpos vai girando a cama e giram o quarto e o mundo. ‘Não, não’, você me explica, achando que está acordada: ‘Não estamos mais aí. Mudamos para outro país enquanto dormíamos’."

 Eduardo Galeano, no livro “Dias e noites de amor e de guerra”

domingo, 13 de fevereiro de 2022

A noite/2

Vachagan Manukyan's


― Arranque-me, senhora, as roupas e as dúvidas. Dispa-me, dispa-me.


Eduardo Galeano

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

 


A noite/1 

Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.

Eduardo Galeano, O livro dos abraços 

sábado, 8 de janeiro de 2022

Janela sobre o corpo


Hamish Blakely 


A igreja diz: O corpo é uma culpa.

A ciência diz: O corpo é uma máquina.

A publicidade diz: O corpo é um negócio.

O corpo diz: Eu sou uma festa.


Eduardo Galeano

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O livro dos abraços


Teologia/1 

O catecismo me ensinou, na infância, a fazer o bem por interesse e a não fazer o mal por medo. Deus me oferecia castigos e recompensas, me ameaçava com o inferno e me prometia o céu; e eu temia e acreditava.
Passaram-se os anos. Eu já não temo nem creio. E em todo caso — penso — se mereço ser assado cozido no caldeirão do inferno, condenado ao fogo lento e eterno, que assim seja. Assim me salvarei do purgatório, que está cheio de horríveis turistas da classe média; e no final das contas, se fará justiça.
Sinceramente: merecer, mereço. Nunca matei ninguém, é verdade, mas por falta de coragem ou de tempo, e não por falta de querer. Não vou à missa aos domingos, nem nos dias de guarda. Cobicei quase todas as mulheres de meus próximos, exceto as feias, e assim violei, pelo menos em intenção, a propriedade privada que Deus pessoalmente sacramentou nas tábuas de Moisés: Não cobiçarás a mulher de teu próximo nem seu touro, nem seu asno... E como se fosse pouco, com premeditação e deslealdade cometi o ato do amor sem o nobre propósito de reproduzir a mão-de-obra. Sei muito bem que o pecado carnal não é bem visto no céu; mas desconfio que Deus condena o que ignora.

Teologia/2 

O deus dos cristãos, Deus da minha infância, não faz amor. Talvez o único deus que nunca fez amor, entre todos os deuses de todas as religiões da história humana. Cada vez que penso nisso, sinto pena dele. E então o perdoo por ter sido meu super-pai castigador, chefe de polícia do universo, e penso que afinal Deus também foi meu amigo naqueles velhos tempos, quando eu acreditava Nele e acreditava que Ele acreditava em mim. Então preparo a orelha, na hora dos rumores mágicos, entre o pôr do sol e o nascer subir da noite, e acho que escuto suas melancólicas confidencias.

Teologia/3 

Errata: onde o Antigo Testamento diz o que diz, deve dizer aquilo que provavelmente seu principal protagonista me confessou:
Pena que Adão fosse tão burro. Pena que Eva fosse tão surda. E pena que eu não soube me fazer entender.
Adão e Eva eram os primeiros seres humanos que nasciam da minha mão, e reconheço que tinham certos defeitos de estrutura, construção e acabamento. Eles não estavam preparados para escutar, nem para pensar. E eu... bem, eu talvez não estivesse preparado para falar. Antes de Adão e Eva, nunca tinha falado com ninguém. Eu tinha pronunciado belas frases, como "Faça-se a luz", mas sempre na solidão. E foi assim que, naquela tarde, quando encontrei Adão e Eva na hora da brisa, não fui muito eloquente. Não tinha prática.
A primeira coisa que senti foi assombro. Eles acabavam de roubar a fruta da árvore proibida, no centro do Paraíso. Adão tinha posto cara de general que acaba de entregar a espada e Eva olhava para o chão, como se contasse formigas. Mas os dois estavam incrivelmente jovens e belos e radiantes. Me surpreenderam. Eu os tinha feito; mas não sabia que o barro podia ser tão luminoso.
Depois, reconheço, senti inveja. Como ninguém pode me dar ordens, ignoro a dignidade da desobediência. Tampouco posso conhecer a ousadia do amor, que exige dois. Em homenagem ao princípio de autoridade, contive a vontade de cumprimentá-los por terem-se feito subitamente sábios em paixões humanas.
Então, vieram os equívocos. Eles entenderam queda onde falei de voo. Acharam que um pecado merece castigo se for original. Eu disse que quem desama peca: entenderam que quem ama peca. Onde anunciei pradaria em festa, entenderam vale de lágrimas. Eu disse que a dor era o sal que dava gosto à aventura humana: entenderam que eu os estava condenando, ao outorgar-lhes a glória de serem mortais e loucos. Entenderam tudo ao contrário. E acreditaram.
Ultimamente ando com problemas de insônia. Há alguns milênios custo a dormir. E gosto de dormir, gosto muito, porque quando durmo, sonho. Então me transformo em amante ou amanta, me queimo no fogo fugaz dos amores de passagem, sou palhaço, pescador de alto mar ou cigana adivinhadora da sorte; da árvore proibida devoro até as folhas e bebo e danço até rodar pelo chão...
Quando acordo, estou sozinho. Não tenho com quem brincar, porque os anjos me levam tão a sério, nem tenho a quem desejar. Estou condenado a me desejar. De estrela em estrela ando vagando, aborrecendo-me no universo vazio. Sinto-me muito cansado, me sinto muito sozinho. Eu estou sozinho, eu sou sozinho, sozinho pelo resto da eternidade.

Eduardo Galeano, O livro dos abraços

domingo, 3 de janeiro de 2016

The golden apple - François Lafon

"Se Eva tivesse escrito o Gênesis, como seria a primeira noite de amor do gênero humano?
Eva teria começado por esclarecer que não nasceu de nenhuma costela, não conheceu qualquer serpente, não ofereceu maçã a ninguém e tampouco Deus chegou a lhe dizer 'parirás com dor e teu marido te dominará'. E que, enfim, todas essas histórias são mentiras descaradas que Adão contou aos jornalistas".


Eduardo Galeano - Pontos de Vista/6 - in: "De Pernas Pro Ar: A Escola do Mundo Ao Avesso"

terça-feira, 7 de maio de 2013

Es tiempo de vivir sin miedo




"Estava assim, muito triste e saí a caminhar aqui, pelo bairro, e era cedo, de manhãzinha. Não conseguia dormir, me vesti, fui caminhar e cruzei com uma menina muito nova, devia ter uns dois anos, não mais que dois, que vinha brincando na direção oposta e ela vinha cumprimentando a grama, a graminha, as plantinhas. 'Bom dia, graminha!', dizia: 'bom dia, graminha!'. Ou seja, nessa idade somos todos pagãos e nessa idade somos todos poetas. Depois o mundo se ocupa de apequenar a nossa alma."

**

"- Ainda existe espaço para a utopia no mundo de hoje?

- Sim, no sentido que deu a ela Fernando Birri em uma frase que, injustamente, atribui-se a mim. Em um dos meus livros eu citei uma frase dele, dizendo que era dele e as pessoas atribuem-na a mim. Pobre Fernando, mas é dele. Estávamos juntos em Cartagena das Índias, a belíssima cidade colombiana, e fizemos uma palestra juntos na universidade. E no final, um dos estudantes se levantou e perguntou pra ele, não para mim: 'Para que serve a utopia?'. E ele respondeu da melhor forma, eu nunca escutei uma resposta melhor. Ele disse que se fazia essa pergunta todos os dias, 'para que servia a utopia', se é que a utopia servia para alguma coisa. Ele disse: 'Vejam bem, a utopia está no horizonte, e se está no horizonte eu nunca vou alcançá-la porque, se caminho dez passos, a utopia vai se distanciar dez passos. E se caminho vinte passos, a utopia vai se colocar vinte passos mais além, ou seja, eu sei que jamais vou alcançá-la. Para que serve? Para isso, para caminhar.' "

**

"Um homem do povoado de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir alto no céu e na volta contou: disse que tinha contemplado, lá de cima, a vida humana. E disse que somos um mar de foguinhos. O mundo é isso, revelou: um monte de gente, um mar de foguinhos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, e fogos de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem fica sabendo do vento, e existe gente de fogo louco, que enche o ar de faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros, outros ardem a vida com tanta vontade que não se pode olhá-los sem pestanejar, e quem se aproxima se incendeia."

Eduardo Galeano

terça-feira, 9 de abril de 2013


“(…) -No entiendo por qué volviste.
Y retira la mano. La mano de Mariano queda sola sobre la mesa, con la palma vuelta hacia arriba. Tiene la línea de la vida larga pero muy tajeada.
-No entiendo. Me habías dicho: “No nos vamos a ver más. Somos libres”. Yo me quedé muda mirándote la espalda y te perdiste en la esquina de la estación. ¿Qué esperabas? ¿Que te corriera atrás? ¿Que te llamara a gritos? ¿Para qué quería yo esa libertad que me regalabas? ¿Para qué la quería?
(Mariano escuchaba los ecos de sus propios pasos y llevaba la cabeza vacía por dolorosa victoria de la voluntad, pero al llegar a la estación del ferrocarril se le metió por los oídos el estrépito de la máquina aproximándose, y entonces supo que desde ahora le harían falta los navegantes misteriosos que tan a menudo se perdían, por puro gusto, en los desfiladeros de niebla de la memoria o la imaginación de esta muchacha. Trepó por los peldaños de fierro y supo que ella sería, desde ahora, una nuca entrevista en la muchedumbre o un perfil que se escapa, una voz adivinada entre otras voces. Que él se daría vuelta bruscamente y echaría a correr y tomaría a una mujer por el brazo: que se equivocaría siempre. Entró al vagón de pasajeros y se sentó en uno de los viejos asientos de paja de la época de los ingleses y supo que ella persistiría: escuchó el traqueteo de las ruedas sobre los rieles y supo que ella persistiría, persistirá: en verano, en los túneles de hojas, convertida en un sanantonio que te camina por el brazo, o en las noches de julio, llenando una silla vacía en la complicidad humosa de los cafés. Llegó a destino y se bajó, mareado, y seguía sabiendo que ella continuaría oliendo a sí misma en su memoria, deambulando desnuda por la región nochera de sus sueños: que ella sería, que será, una cicatriz que a veces hace cosquillas y a veces late y a veces arde y a veces duele. Y sintió la necesidad de volver y por lo menos decir: “Nunca nada”. Por lo menos decir: “Como esto, nunca nada”. Y no volvió.)."

Eduardo Galeano

domingo, 10 de fevereiro de 2013



“Hay criminales que proclaman tan campantes ‘la maté porque era mía’, así no más, como si fuera cosa de sentido común y justo de toda justicia y derecho de propiedad privada, que hace al hombre dueño de la mujer. Pero ninguno, ninguno, ni e l más macho de los supermachos tiene la valentía de confesar ‘la maté por miedo’, porque al fin y al cabo el miedo de la mujer a la violencia del hombre es el espejo del miedo del hombre a la mujer sin miedo”.


Eduardo Galeano

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

 George Dunlop-Leslie


La Iglesia también dictará otro mandamiento, que se le había olvidado a Dios: 
“Amarás a la naturaleza, de la que formas parte”; 
serán reforestados los desiertos del mundo y los desiertos del alma.


Eduardo Galeano

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

steve hanks





Diego no conocía el mar...

Su padre, lo llevó a descubrirlo. Viajaron al sur.

Ella, la mar, estaba más allá de las altas dunas de arena, esperando.

Cuando el niño y su padre alcanzaron por fin aquellas cumbres de arena,después de mucho caminar, el mar estalló ante sus ojos.

Y fue tanta la inmensidad de la mar, y tanto su fulgor, que el niño quedó mudo de hermosura.

Y cuando por fin consiguió hablar, temblando, tartamudeando, pidió a su padre:

 Ayúdame a Mirar!




Eduardo Galeano
(De: "El Libro de los Abrazos")

sábado, 12 de janeiro de 2013

"Marzo, 30, Día del servicio doméstico"




Maruja no tenía edad.
De sus años de antes, nada contaba. De sus años de después, nada esperaba.
No era linda, ni fea, ni más o menos.
Caminaba arrastrando los pies, empuñando el plumero, o la escoba, o el cucharón.
Despierta, hundía la cabeza entre los hombros.
Dormida, hundía la cabeza entre las rodillas.
Cuando le hablaban, miraba el suelo, como quien cuenta hormigas.
Había trabajado en casas ajenas desde que tenía memoria.
Nunca había salido de la ciudad de Lima.
Mucho trajinó, de casa en casa, y en ninguna se hallaba. Por fin, encontró un lugar donde fue tratada como si fuera persona.
A los pocos días, se fue.
Se estaba encariñando.


Eduardo Galeano

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Eduardo Galeano - el derecho al delírio




¿Qué tal si deliramos por un ratito?
¿Qué tal si clavamos los ojos más allá de la infamia para adivinar otro mundo posible?
El aire estará limpio de todo veneno que no provenga de los miedos humanos y de las humanas pasiones.
En las calles los automóviles serán aplastados por los perros.
La gente no será manejada por el automóvil, ni será programada por el ordenador, ni será comprada por el supermercado, ni será tampoco mirada por el televisor.
El televisor dejará de ser el miembro más importante de la familia y será tratado como la plancha o el lavarropas.
Se incorporará a los códigos penales el delito de estupidez que cometen quienes viven por tener o por ganar, en vez de vivir por vivir no más, como canta el pájaro sin saber que canta y como juega el niño sin saber que juega.
En ningún país irán presos los muchachos que se nieguen a cumplir el servicio militar sino los que quieran cumplirlo.
Nadie vivirá para trabajar pero todos trabajaremos para vivir.
Los economistas no llamarán nivel de vida al nivel de consumo, ni llamarán calidad de vida a la cantidad de cosas.
Los cocineros no creerán que a las langostas les encanta que las hiervan vivas.
Los historiadores no creerán que a los países les encanta ser invadidos.
Los políticos no creerán que a los pobres les encanta comer promesas.
La solemnidad se dejará de creer que es una virtud, y nadie nadie tomará en serio a nadie que no sea capaz de tomarse el pelo.
La muerte y el dinero perderán sus mágicos poderes y ni por defunción ni por fortuna se convertirá el canalla en virtuoso caballero.
La comida no será una mercancía ni la comunicación un negocio, porque la comida y la comunicación son derechos humanos.
Nadie morirá de hambre porque nadie morirá de indigestión.
Los niños de la calle no serán tratados como si fueran basura porque no habrá niños de la calle.
Los niños ricos no serán tratados como si fueran dinero porque no habrá niños ricos.
La educación no será el privilegio de quienes puedan pagarla y la policía no será la maldición de quienes no puedan comprarla.
La justicia y la libertad, hermanas siamesas, condenadas a vivir separadas, volverán a juntarse, bien pegaditas, espalda contra espalda.
En Argentina las locas de Plaza de Mayo serán un ejemplo de salud mental porque ellas se negaron a olvidar en los tiempos de la amnesia obligatoria.
La Santa Madre Iglesia corregirá algunas erratas de las tablas de Moisés y el sexto mandamiento ordenará festejar el cuerpo.
La Iglesia también dictará otro mandamiento que se le había olvidado a Dios, “amarás a la Naturaleza de la que formas parte”.
Serán reforestados los desiertos del mundo y los desiertos del alma.
Los desesperados serán esperados y los perdidos serán encontrados porque ellos se desesperaron de tanto esperar y ellos se perdieron por tanto buscar.
Seremos compatriotas y contemporáneos de todos los que tengan voluntad de belleza y voluntad de justicia, hayan nacido cuando hayan nacido y hayan vivido donde hayan vivido, sin que importe ni un poquito las fronteras del mapa ni del tiempo.
Seremos imperfectos porque la perfección seguirá siendo el aburrido privilegio de los dioses.
Pero en este mundo, en este mundo chambón y jodido seremos capaces de vivir cada día como si fuera el primero y cada noche como si fuera la última.

La canción de nosotros


-Tengo frío.
-Ponete así. Me gusta tenerte así.
-La pierna. Acá. Así.
-¿Estás bien?
-¿Y vos?
-Muy.
-Ah.
-¿De qué te reís?
-Para mí, fue una sorpresa. Quiero decir: después. Me parecía increíble que el mundo no hubiera cambiado. Me miré al espejo y yo tampoco había cambiado y me mordía los labios. Quise estudiar y no pude. Quise estar con mis amigas y no pude. Quise escribir cartas, quise trabajar. Quise dormir y tampoco pude.
-¿De eso te reís?
-No me bañé. Tenía tu olor en todo el cuerpo.
-¿De eso?
-No, no. Después te digo.
-Ahora.
-No, después.
-No me interesa.
-Entonces te lo digo. Lo bien que me caés. Eso.
-¿Eso? ¿Y entonces yo?
-¿Qué?
-Mucho más que eso. Contigo no siento miedo de nada.
-Mirá que no soy una santa. Me como las uñas. Te advierto.
-El miedo es una porquería.
-Y sí. Pero, ¿quién no siente miedo?
-¿Vos sentís?
-No tires ahí la… No seas chancho.
-¿Miedo de qué? ¿De que estemos así, como estamos?
-No sé. O sí sé. Siento, como cualquiera.
-Pero juntos, no. Juntos estamos a salvo. Al miedo lo ponemos bajo la suela del zapato y crash: lo aplastamos como a una porquería.
-Oigamé, Pirata. Prometamé, Pirata.
-La escucho. Prometo.
-¿En serio?
-Sí.
-Nunca vamos a dejar que esto se pudra. ¿Eh? No vamos a permitir nunca que esto se pudra.
-¿Nada más que eso? Es fácil.
-No.
-¿No qué?
-No es nada fácil.
-Si usted lo dice.
-Y nunca nos vamos a lastimar. ¿Nos prometemos eso? Es peligroso.
-¿Dejar el cuero en el alambrado?
-Algo así. Puede ser.
-Tanta alegría. Es un regalo. ¿Por qué nos vamos a joder? No me gusta que te pongas solemne.
-¿Qué hora es? Uy, hace dieciocho horas que estamos por levantarnos.
-Nos vamos a enfermar.
-Tendríamos que levantarnos.
-Nos vamos a evaporar.
-¿No íbamos a ir al cine?
-¿Cuándo fue eso? ¿Ayer? ¿Anteayer?
-¿No ibamos a bajar a comer?
-Sí. Tendríamos que levantarnos.
-Esto es mejor que Buster Keaton.
-Esto es mejor que todo.
-No hay nada que…
-Ponete así. Así. Me gusta dormir así.
-Vas a dormir.
-No. Zonzo. Quiero que te quedes. Quedate. Quiero.
-Yo también quiero. Cuando era chico, me alcanzaba con querer una cosa con muchas ganas, para que ocurriera. Cerraba los ojos, pensaba con todas mis fuerzas en eso que quería y zácale: ocurría.
-Cuándo yo era chica, lo que quería era un telescopio.
-¿Uno de esos grandes, que usan los astrónomos?
-Uno enorme. Yo lo había visto en el museo. Como no tenía telescopio, siempre me parecia que se había escapado alguna estrella.
-¿Y eso te importaba?
-Vivía deseando que se viniera la guerra. Una guerra bien grande, para mezclarme con los japoneses y robarme el telescopio. Alguien iba a romper los vidrios a patadas y yo iba a aprovechar y me iba a escapar corriendo con el telescopio entre los brazos. Pero solita no me animaba.
-Hubieras probado.
-¿Y vos?
-¿Yo? Yo era católico, cuando chico.
-¿Como es creer en Dios Mariano? Nunca creí.
-Como creer en la revolución, me imagino. Te da la misma alegría y la misma sensación de no estar solo. Cuando era chico, yo no sentía miedo nunca. Pero un buen día… No, nada.
-Me gusta escucharte.
-Nada.
-Andá, no seas malo.
-Dame un cigarrillo.
-Esperá, no apagues.
-Quiero decir que un buen día lo buscás y no está. Quiero decir: perdés a Dios como se pierde una cosa. Algo que se cae del bolsillo. Como se pierde un encendedor, así.
-Para mí, Dios era un señor de barba que metía miedo a los demás.
-Para mí no.
-Ya veo.
-Era mucho más que eso, para mí. Todavía no sé con qué se rellena ese agujero.
-Ahora es usted el que se puso solemne, Pirata.
-Puede ser, perdona.
-Pero… Mariano. Estás triste. Te vino la tristeza.
-No.
-¿No qué?
-No estoy triste.
-Sí estás.
-Sí. Estoy.
-No hay que hablar tanto.
-No.
-Uno no debería.
-Se arruina todo por culpa de las palabras.
-Sí.
-Mirá.
-¿Qué?
-Los pájaros, en la ventana.
-Hace rato que vienen pasando.
-Se va a venir tormenta, me parece, y nos vamos a mojar.
-Sí. Al irnos, nos vamos a mojar.


Eduardo Galeano

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Curso básico de racismo y machismo*



Por algo fueron mujeres las víctimas de las cacerías de brujas, y no sólo en los tiempos de la Inquisición. Endemoniadas: espasmos y aullidos, quizá orgasmos, y para colmo de escándalo, orgasmos múltiples. Sólo la posesión de Satán podía explicar tanto fuego prohibido, que por el fuego era castigado. Mandaba Dios que fueran quemadas vivas las pecadoras que ardían. La envidia y el pánico ante el placer femenino no tenían nada de nuevo. Uno de los mitos más antiguos y universales, común a muchas culturas de muchos tiempos y de diversos lugares, es el mito de la vulva dentada, el sexo de la hembra como boca llena de dientes, insaciable boca de piraña que se alimenta de carne de machos. Y en este mundo de hoy, en este fin de siglo, hay ciento veinte millones de mujeres mutiladas del clítoris.

No hay mujer que no resulte sospechosa de mala conducta. Según los boleros, son todas ingratas; según los tangos, son todas putas (menos mamá). En los países del sur del mundo, una de cada tres mujeres casadas recibe palizas, como parte de la rutina conyugal, en castigo por lo que ha hecho o por lo que podría hacer:

—Estamos dormidas— dice una obrera del barrio Casavalle de Montevideo. —Algún príncipe te besa y te duerme. Cuando te despertás, el príncipe te aporrea.

Y otra:

—Yo tengo el miedo de mi madre, y mi madre tuvo el miedo de mi abuela.

Confirmaciones del derecho de propiedad: el macho propietario comprueba a golpes su derecho de propiedad sobre la hembra, como el macho y la hembra comprueban a golpes su derecho de propiedad sobre los hijos.

Y las violaciones, ¿no son, acaso, ritos que por la violencia celebran ese derecho? El violador no busca, ni encuentra, placer: necesita someter. La violación graba a fuego una marca de propiedad en el anca de la víctima, y es la expresión más brutal del carácter fálico del poder, desde siempre expresado por la flecha, la espada, el fusil, el cañón, el misil y otras erecciones.

*Fragmento


Eduardo Galeano
Créditos: http://www.memoriadelfuego.org

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

As veias abertas da América Latina



O desenvolvimento desenvolve a desigualdade

*

Incorporadas desde sempre à constelação do poder imperialista, nossas classes dominantes não têm o menor interesse em averiguar se o patriotismo poderia ser mais rentável do que a traição ou se a mendicância é a única forma possível de política internacional. Hipoteca-se a soberania porque “não há outro caminho”; os álibis da oligarquia confundem interessadamente a impotência de uma classe social com o presumível vazio de destino de cada nação.

*

Os pretextos invocados ofendem a inteligência; as intenções reais inflamam a indignação.

*

De certo modo, a direita tem razão quando se identifica com a tranqüilidade e a ordem; é a ordem, de fato, da cotidiana humilhação das maiorias, mas ordem em última análise; a tranqüilidade de que a injustiça continue sendo injusta e a fome faminta.

*

A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi e contra o que foi, anuncia o que será.


Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina