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sábado, 24 de setembro de 2022



Ai, quem me dera

Ai quem me dera, terminasse a espera 

E retornasse o canto simples e sem fim... 

E ouvindo o canto se chorasse tanto 

Que do mundo o pranto se estancasse enfim 


Ai quem me dera percorrer estrelas 

Ter nascido anjo e ver brotar a flor 

Ai quem me dera uma manhã feliz 

Ai quem me dera uma estação de amor 


Ah! Se as pessoas se tornassem boas 

E cantassem loas e tivessem paz 

E pelas ruas se abraçassem nuas 

E duas a duas fossem ser casais 


Ai quem me dera ao som de madrigais 

Ver todo mundo para sempre afins 

E a liberdade nunca ser demais 

E não haver mais solidão ruim 


Ai quem me dera ouvir o nunca mais 

Dizer que a vida vai ser sempre assim 

E finda a espera ouvir na primavera 

Alguém chamar por mim...


Vinicius de Moraes

 

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O Poeta

fabian perez

A vida do poeta tem um ritmo diferente 
É um contínuo de dor angustiante. 
O poeta é o destinado do sofrimento 
Do sofrimento que lhe clareia a visão de beleza 
E a sua alma é uma parcela do infinito distante 
O infinito que ninguém sonda e ninguém compreende. 

Ele é o etemo errante dos caminhos 
Que vai, pisando a terra e olhando o céu 
Preso pelos extremos intangíveis 
Clareando como um raio de sol a paisagem da vida. 
O poeta tem o coração claro das aves 
E a sensibilidade das crianças. 
O poeta chora. 
Chora de manso, com lágrimas doces, com lágrimas tristes 
Olhando o espaço imenso da sua alma. 
O poeta sorri. 
Sorri à vida e à beleza e à amizade 
Sorri com a sua mocidade a todas as mulheres que passam. 
O poeta é bom. 
Ele ama as mulheres castas e as mulheres impuras 
Sua alma as compreende na luz e na lama 
Ele é cheio de amor para as coisas da vida 
E é cheio de respeito para as coisas da morte. 
O poeta não teme a morte. 
Seu espírito penetra a sua visão silenciosa 
E a sua alma de artista possui-a cheia de um novo mistério. 
A sua poesia é a razão da sua existência 
Ela o faz puro e grande e nobre 
E o consola da dor e o consola da angústia. 

A vida do poeta tem um ritmo diferente 
Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o céu 
Preso, eternamente preso pelos extremos intangíveis.


Vinícius de Moraes 

sábado, 11 de janeiro de 2014

Um beijo

Pamela Whyman


Um minuto o nosso beijo
Um só minuto; no entanto
Nesse minuto de beijo
Quantos segundos de espanto!
Quantas mães e esposas loucas
Pelo drama de um momento
Quantos milhares de bocas
Uivando de sofrimento!
Quantas crianças nascendo
Para morrer em seguida
Quanta carne se rompendo
Quanta morte pela vida!
Quantos adeuses efêmeros
Tornados o último adeus
Quantas tíbias, quantos fêmures
Quanta loucura de Deus!
Que mundo de mal-amadas
Com as esperanças perdidas
Que cardume de afogadas
Que pomar de suicidas!
Que mar de entranhas correndo
De corpos desfalecidos
Que choque de trens horrendo
Quantos mortos e feridos!
Que dízima de doentes
Recebendo a extrema-unção
Quanto sangue derramado
Dentro do meu coração!
Quanto cadáver sozinho
Em mesa de necrotério
Quanta morte sem carinho
Quanto canhenho funéreo!
Que plantel de prisioneiros
Tendo as unhas arrancadas
Quantos beijos derradeiros
Quantos mortos nas estradas!
Que safra de uxoricidas
A bala, a punhal, a mão
Quantas mulheres batidas
Quantos dentes pelo chão!
Que monte de nascituros
Atirados nos baldios
Quantos fetos nos monturos
Quanta placenta nos rios!
Quantos mortos pela frente
Quantos mortos à traição
Quantos mortos de repente
Quantos mortos sem razão!
Quanto câncer sub-reptício
Cujo amanhã será tarde
Quanta tara, quanto vício
Quanto enfarte do miocárdio
Quanto medo, quanto pranto
Quanta paixão, quanto luto!...
Tudo isso pelo encanto
Desse beijo de um minuto:
Desse beijo de um minuto
Mas que cria, em seu transporte
De um minuto, a eternidade
E a vida, de tanta morte.


Vinícius de Moraes

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Amor em paz

Jeff Rowland


Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar

Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz


Vinicius de Moraes, Antonio Carlos Jobim

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Soneto do amigo

Vladimir Volegov


Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...


Vinicius de Moraes

sábado, 2 de novembro de 2013

Introspecção

Antonio Sgarbossa


Nuvens lentas passavam
Quando eu olhei o céu.
Eu senti na minha alma a dor do céu
Que nunca poderá ser sempre calmo.

Quando eu olhei a árvore perdida
Não vi ninhos nem pássaros.
Eu senti na minha alma a dor da árvore
Esgalhada e sozinha
Sem pássaros cantando nos seus ninhos.

Quando eu olhei minha alma
Vi a treva.
Eu senti no céu e na árvore perdida
A dor da treva que vive na minha alma.


Vinicius de Moraes, As coisas do alto

sábado, 19 de outubro de 2013



Apavorado acordo, em treva. O luar 
É como o espectro do meu sonho em mim 
E sem destino, e louco, sou o mar 
Patético, sonâmbulo e sem fim. 

Desço na noite, envolto em sono; e os braços 
Como ímãs, atraio o firmamento 
Enquanto os bruxos, velhos e devassos 
Assoviam de mim na voz do vento. 

Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe 
Sem dimensão e sem razão me leva 
Para o silêncio onde o Silêncio dorme 

Enorme. E como o mar dentro da treva 
Num constante arremesso largo e aflito 
Eu me espedaço em vão contra o infinito.


Vinícius De Moraes

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Uma mulher no meio do mar




Rio de Janeiro
(Sobre um desenho original de Almir Castro)

Na praia batida de vento a voz entrecontada chama
Dentro da noite amarga a grande lua está contigo e está com ela - pousa o teu rosto sobre a areia!
A tua lágrima de homem ficará correndo sobre o teu corpo dormindo e te levará boiando
E talvez a tua mão inerme encontre a sua mão cheia de frio
Tudo está sozinho e o supremo abandono pousou sobre o corpo nu da que deixaste ir
A onda solitária é o berço do amor e há uma música eterna nas formas invisíveis
Passa o teu braço sobre o que foi o triste destroço de um outro mar bem mais revolto
E sentirás que nunca o pobre corpo foi mais flexuoso ao teu afago nem o olhar mais aberto ao teu desejo.
Afaga os seios que os seus beijos poluíram e que a água amante fez altos e serenos
Mergulha os dedos pela última vez na úmida cabeleira espessa que se vai abrir como as medusas
Porque também a lua vive a vez derradeira a visão escrava
Porque nunca mais também os olhos que estão parados te mostrarão o céu
E as linhas que vês desfeitas já pesam como que para o descanso do fundo que não atingirás.
Não sentes que é preciso que ela vá, vá dar morada às algas que lhe cobrirão amorosamente o corpo
Para fugir de ti que o cobrias apenas com a ardência imutável do teu desejo?

Oh, o amor que abre os braços à piedade!…


Vinícius de Moraes

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Vladimir Volegov 


Mas o instante passou. A carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.

Outra carne vírá. A primavera
É carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viver unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá.

Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento

Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser simples como o grão de poesia.
E íntimo como a melancolia.


Vinícius de Moraes

sábado, 5 de outubro de 2013

Minha mãe

Picasso


Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fonte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão. que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.


Vinícius de Moraes

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Uma música que seja

Cler Raichuk 

... como os mais belos harmônicos da natureza. Uma música que seja como o som do vento na cordoalha dos navios, aumentando gradativamente de tom até atingir aquele em que se cria uma reta ascendente para o infinito. Uma música que comece sem começo e termine sem fim. Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto. Uma música que seja como a nota lancinante deixada no ar por um pássaro que morre. Uma música que seja como o som dos altos ramos das grandes árvores vergastadas pelos temporais. Uma música que seja como o ponto de reunião de muitas vozes em busca de uma harmonia nova. Uma música que seja como o voo de uma gaivota numa aurora de novos sons...

Vinícius de Moraes

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Valsa à mulher do povo

Bill Brauer


OFERENDA
Oh minha amiga da face múltipla 
Do corpo periódico e geral! 
Lúdica, efêmera, inconsútil 
Musa central-ferroviária! 
Possa esta valsa lenta e súbita 
Levemente copacabanal 
Fazer brotar do povo a flux 
A tua imagem abruptamente 
Ó antideusa!

VALSA
Te encontrarei na barca Cubango, nas amplas salas da Cubango 
Vestida de tangolomango 
Te encontrarei! 
Te encontrarei nas brancas praias, pelas pudendas brancas praias 
Itinerante de gandaias 
Te encontrarei. Te encontrarei nas feiras-livres 
Entre moringas e vassouras, emolduradas de cenouras 
Te encontrarei. Te encontrarei tarde na rua 
De rosto triste como a lua, passando longe como a lua 
Te encontrarei. Te encontrarei, te encontrarei 
Nos longos footings suburbanos, tecendo os sonhos mais humanos 
Capaz de todos os enganos 
Te encontrarei. Te encontrarei nos cais noturnos 
Junto a marítimos soturnos, sombras de becos taciturnos 
Te encontrarei. Te encontrarei, oh mariposa 
Oh taxi-girl, oh virginete pregada aos homens a alfinete 
De corpo saxe e clarinete 
Te encontrarei. Oh pulcra, oh pálida, oh pudica 
Oh grã-cupincha, oh nova-rica 
Que nunca sais da minha dica: sim, eu irei 
Ao teu encontro onde estiveres 
Pois que assim querem os malmequeres 
Porque és tu santa entre as mulheres 
Te encontrarei!


Vinicius de Moraes

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Valsa do amor de nós dois

Jon PAUL  

Vem ver o mar 
Vem que Copacabana é linda 
Vamos ser só nós dois 
E o que vai ser depois 
É melhor, é melhor nem pensar 

Ah, namorar! 
Os casais nem parecem saber 
Nos seus beijos de amor 
E o que resta depois 
É a valsa do amor de nós dois 

Pelas linhas sinuosas 
Do passeio à beira-mar 
Todo o Rio de Janeiro 
Vai querer dançar 

E nós, depois 
Partiremos num beijo de luz 
Pelo céu ao luar 
A dançar, a dançar 
Esta valsa do amor 
De nós dois


Vinicius de Moraes

terça-feira, 6 de agosto de 2013



E depois tem a questão de ter paciência 
Não se deixar levar, estar preparado e ao mesmo tempo certo 
De que ainda é possível... E depois 
Tem a questão de resolver, de não parecer que, e ao mesmo tempo de ter que... 

E depois tem a questão do não-obstante, do prurido, da válvula 
Tem a questão do conhecimento, do ementário 
Sem falar na questão importantíssima do... 
E depois tem a questão do é-preciso, do meu-caro, do pois-é 
Dos canais competentes, dos compartimentos estanques, dos memorandos 

E depois tem a questão talvez precária do encontro 
E do desencontro, do entendido e do mal-entendido, do lucro 
E do desdouro; e depois tem a questão 
Da finura, da delicadeza e da firme delicadeza e das duas delicadezas.


Vinícius de Moraes

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Trecho

 Xue YANQUN


Quem foi, perguntou o Celo 
Que me desobedeceu? 
Quem foi que entrou no meu reino 
E em meu ouro remexeu? 
Quem foi que pulou meu muro 
E minhas rosas colheu? 
Quem foi, perguntou o Celo 
E a Flauta falou: Fui eu. 

Mas quem foi, a Flauta disse 
Que no meu quarto surgiu? 
Quem foi que me deu um beijo 
E em minha cama dormiu? 
Quem foi que me fez perdida 
E que me desiludiu? 
Quem foi, perguntou a Flauta 
E o velho Celo sorriu.


Vinicius de Moraes

domingo, 16 de junho de 2013

Canção do amor que chegou

Angelica Privalihin 



Eu não sei, não sei dizer
Mas de repente essa alegria em mim
Alegria de viver
Que alegria de viver
E de ver tanta luz, tanto azul!
Quem jamais poderia supor
Que de um mundo que era tão triste e sem cor 
Brotaria essa flor inocente
Chegaria esse amor de repente
E o que era somente um vazio sem fim
Se encheria de cores assim

Coração, põe-te a cantar
Canta o poema da primavera em flor
É o amor, o amor chegou 
Chegou enfim


Vinícius de Moraes

sábado, 1 de junho de 2013

Soneto de carnaval

Aleksander Vlasov 


Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.


Vinícius de Moraes

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A mais dolorosa das histórias

Robert Liang


Silêncio 
Façam silêncio 
Quero dizer-vos minha tristeza 
Minha saudade e a dor 
A dor que há no meu canto 

Oh, silenciai 
Vós que assim vos agitais 
Perdidamente em vão 
Meu coração vos canta 
A mais dolorosa das histórias 
Minha amada partiu 
Partiu 

Oh, grande desespero de quem ama 
Ver partir o seu amor


Vinícius de Moraes

domingo, 28 de abril de 2013

Agonia

 Robert Foster


No teu grande corpo branco depois eu fiquei.
Tinha os olhos lívidos e tive medo.
Já não havia sombra em ti - eras como um grande deserto de areia
Onde eu houvesse tombado após uma longa caminhada sem noites.
Na minha angústia eu buscava a paisagem calma
Que me havias dado tanto tempo
Mas tudo era estéril e mostruoso e sem vida
E teus seios eram dunas desfeitas pelo vendaval que passara.
Eu estremecia agonizando e procurava me erguer
Mas teu ventre era como areia movediça para os meus dedos.
Procurei ficar imóvel e orar, mas fui me afogando em ti mesma
Desaparecendo no teu ser disperso que se contraía como a voragem.

Depois foi o sono, o escuro, a morte.

Quando despertei era claro e eu tinha brotado novamente
Vinha cheio do pavor das tuas entranhas. 


Vinícius de Moraes

quinta-feira, 21 de março de 2013

Luciana



Olha que o amor, Luciana
É como a flor, Luciana
Olhos que vivem sorrindo
Riso tão lindo
Canção de paz

Olha que o amor, Luciana
É como a flor que não dura demais
Embriagador
Mas também traz muita dor, Luciana


Vinícius de Moraes