sábado, 28 de maio de 2022

Alex Alemany


Se não fosse pianista era ladrão porque tem umas mãos

fantásticas. Quando toca, tudo o que toca floresce, o pró-

prio piano é como uma macieira florida, quase comoven-

te. E útil.

Alimento-me frequentemente daquela música, fruto de

um piano excitado, excitante, servida por aquelas mãos

que o provocam, mãos que valem, vazias, mais do que 

valeriam cheias de diamantes.

Se não fosse nem pianista nem ladrão, seria o quê?

Talvez mago. Talvez cirurgião. Ou talvez padre.

Mas é pianista. Pastor de sons numa montanha de emo-

ções encavalitadas. Quando toca, estremeço como as 

manhãs carregadas de orvalho e o peito é como um com-

bóio parado. A pele manifesta-se fazendo repicar todos 

os seus sinos, num movimento que os menos sensíveis 

chamam de arrepio.

É esta música que desperta os pássaros celestes quan-

do a madrugada faz abrir as cortinas da noite e podemos 

sentir o orgulho azul, azul, ainda mais azul, em triunfo, 

no céu.

E o céu a seu dono.


*

 Joaquim Pessoa

in ANO COMUM