Alex Alemany |
Se não fosse pianista era ladrão porque tem umas mãos
fantásticas. Quando toca, tudo o que toca floresce, o pró-
prio piano é como uma macieira florida, quase comoven-
te. E útil.
Alimento-me frequentemente daquela música, fruto de
um piano excitado, excitante, servida por aquelas mãos
que o provocam, mãos que valem, vazias, mais do que
valeriam cheias de diamantes.
Se não fosse nem pianista nem ladrão, seria o quê?
Talvez mago. Talvez cirurgião. Ou talvez padre.
Mas é pianista. Pastor de sons numa montanha de emo-
ções encavalitadas. Quando toca, estremeço como as
manhãs carregadas de orvalho e o peito é como um com-
bóio parado. A pele manifesta-se fazendo repicar todos
os seus sinos, num movimento que os menos sensíveis
chamam de arrepio.
É esta música que desperta os pássaros celestes quan-
do a madrugada faz abrir as cortinas da noite e podemos
sentir o orgulho azul, azul, ainda mais azul, em triunfo,
no céu.
E o céu a seu dono.
*
Joaquim Pessoa
in ANO COMUM