sábado, 28 de maio de 2022

 


Há quase dois dois meses, menos, vi a morte – e isso mudou muita coisa em mim. Está mudando. Teria que te contar devagar, com calma, como foi a história toda de ter que vestir o cadáver da mãe morta do Reinaldinho Moraes, quando eu nunca tinha visto aquilo de perto. Eu descobri que a gente morre. Eu sei agora que a gente morre. E achei feio, achei tristésimo, achei o corpo humano tão frágil, tão perecível. Fiquei doente, estou fraco, frágil, choro pelos cantos. Voltei à terapia, estou remexendo coisas fundas. Dolorosas, meio perdido, com uns problemas difíceis, materiais, de grana, de saúde, de solidão. E escolhendo não morrer, escolhendo continuar, de uma forma ainda meio cega, tortuosa, não-racional.

Ontem também fazia exatamente um ano que Ana Cristina se jogou pela janela. Eu tinha pensado nela o dia inteiro.

 

De Braços Abertos, a peça*

Porque chega uma hora em que você tem que escolher a vida. Eu talvez não saiba bem ainda o que isso significa, mas é claro para mim que a hora dessa escolha é agora, está acontecendo. Então ver De Braços Abertos foi outra peça que encaixou nesse quebra-cabeças cujo desenho real mal começo a intuir. Porque ela te puxa para o lado da vida, e que não é um lado facilmente ensolarado, luminoso, leve & solto. Vou falar o óbvio de Eros e Thanatos, mas o impulso para amar, para encontrar e conhecer e mergulhar no outro, é o que nos traz para perto da vida. E é por isso que quando se está de braços abertos, se está dando as costas para a morte. Ou deixando, calmamente, tão calmamente quanto possível, que ela venha a seu tempo – porque fatalmente virá.

O que acontece comigo é que eu tinha andado de braços fechados. Sem perceber. Analisando meus sonhos, ultimamente, isso tem ficado tão claro. E eu não quero mais. Ainda não sei como chegar lá, mas você me ajudou muito ontem à noite. Eu quase não conseguia falar, depois. E nem era preciso.

Acho que você está dando coisas lindas para as pessoas. Lindas com todos os componentes de dificuldades, e dores, e procuras, e tentativas e perdições. Lindas-fortes, não lindas-fáceis. Sinto uma grande admiração por você e um grande orgulho de poder me considerar seu amigo. Obrigado. Um beijo muito grande e com muito carinho. Seu


                                                                                                                   Caio Fernando Abreu