quarta-feira, 18 de maio de 2022

Hora de voar


O poema depois de pronto

ainda luta com o poeta

e vai crescendo na gaveta,

onde não cabe uma esperança.


Cresce em seguida no meu bolso,

muito menor para contê-lo.

O poema, depois de pronto,

quer-se mostrar, como as crianças.


Fica assustado no casaco

e parece que tem meus olhos.

(Eu lhe acendi o último fósforo

às duas horas da manhã.)


Dentro de mim se move alguém

sempre a julgar-se muito alto,

mas fica na ponta dos pés

quando procura ser notado.


Salva-me na Terra este grande

pudor de mostrar o poema,

como se fosse uma das partes

mais vergonhosas do meu corpo.


  Alberto da Cunha Melo

De Círculo Cósmico (1966)