O poema depois de pronto
ainda luta com o poeta
e vai crescendo na gaveta,
onde não cabe uma esperança.
Cresce em seguida no meu bolso,
muito menor para contê-lo.
O poema, depois de pronto,
quer-se mostrar, como as crianças.
Fica assustado no casaco
e parece que tem meus olhos.
(Eu lhe acendi o último fósforo
às duas horas da manhã.)
Dentro de mim se move alguém
sempre a julgar-se muito alto,
mas fica na ponta dos pés
quando procura ser notado.
Salva-me na Terra este grande
pudor de mostrar o poema,
como se fosse uma das partes
mais vergonhosas do meu corpo.
Alberto da Cunha Melo
De Círculo Cósmico (1966)