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rene magritte - Flowers of Evil, 1946 |
A igreja toda em curvas avança para mim,
enlaçando-me com ternura – mas quer me asfixiar.
Com um braço me indica o seio e o paraíso,
com outro braço me convoca para o inferno.
Ela segura o Livro, ordena e fala:
suas palavras são chicotadas para mim, rebelde.
Minha preguiça é maior que toda a caridade.
Ela ameaça me vomitar de sua boca,
Respira incenso pelas narinas.
Sete gládios sete pecados mortais traspassam seu coração.
Arranca do coração os sete gládios
e me envolve cantando a queixa que vem do Eterno,
auxiliado pela voz do órgão, dos sinos e pelo coro dos desconsolados.
Ela me insinua a história de algumas suas grandes filhas
impuras antes de subirem para os altares.
Aponta-me a mãe de seu Criador, Musa das musas,
acusando-me porque exaltei acima dela a mutável Berenice.
A igreja toda em curvas
quer me incendiar com o fogo dos candelabros.
Não posso sair da igreja nem lutar com ela
que um dia me absorverá
na sua ternura totalitária e cruel.
Murilo Mendes