terça-feira, 19 de abril de 2022

 

rene magritte - Flowers of Evil, 1946


A igreja toda em curvas avança para mim,

 enlaçando-me com ternura – mas quer me asfixiar.

 Com um braço me indica o seio e o paraíso,

 com outro braço me convoca para o inferno.

 Ela segura o Livro, ordena e fala:

 suas palavras são chicotadas para mim, rebelde.

 Minha preguiça é maior que toda a caridade.

 Ela ameaça me vomitar de sua boca,

 Respira incenso pelas narinas.

Sete gládios sete pecados mortais traspassam seu coração.

 Arranca do coração os sete gládios

 e me envolve cantando a queixa que vem do Eterno,

 auxiliado pela voz do órgão, dos sinos e pelo coro dos desconsolados.

 Ela me insinua a história de algumas suas grandes filhas

 impuras antes de subirem para os altares.

 Aponta-me a mãe de seu Criador, Musa das musas,

 acusando-me porque exaltei acima dela a mutável Berenice.

 A igreja toda em curvas

 quer me incendiar com o fogo dos candelabros.

Não posso sair da igreja nem lutar com ela

 que um dia me absorverá

 na sua ternura totalitária e cruel.


Murilo Mendes