terça-feira, 19 de abril de 2022

EVANGELHO DA SOMBRA E DO SILÊNCIO



O silêncio das coisas me comove;

Sinto-o, principalmente quando chove,


Que sonolência enerva as almas...

Que apatia...

Que saudade da vida e da alegria!


Que saudade de tudo que ama e existe!

Como me encanta a natureza triste!


Olho através dos vidros da janela:

A paisagem desfaz-se em folhas amarelas...


Ver árvores é um grande lenitivo

Para a estesia de um contemplativo.


Ver árvores é ouvir sentidas trovas,

Vossas cantigas, raparigas novas!


Que lindo o verde, em nuanças meio incertas,

Margeando, lado a lado, as estradas desertas!


As árvores dos parques e das praças

Bebem silêncio pelas folhas que são taças...

Só parece que a sombra em redor se avoluma

E cresce e desenrola o amplo manto de bruma.


É tudo calma. Em torno à minha casa

Não se escuta sequer um ruflo de asas.


Somente a água que vem da montanha, sonora,

Canta tão triste que não canta, chora.


E some-se, rezando a estranha reza

Da livre religião da natureza,


Ave, sombra! Eu venero a tua imagem

E amo o silêncio verde da paisagem!..


Olegário Mariano