quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Um vendaval

Nikola Borissov Photography

O velho ia caminhando, encurvado, como se batido pelo vento – mas não havia vento, ainda. Havia, ao contrário, uma grande quietude na calçada da Avenida Atlântica àquela hora. Quietude do mar, que se espraiava em silêncio sobre a areia. Quietude do ar, que pairava pesado no fim de tarde. Quietude das pessoas passando mudas, como se esperassem a tempestade que – todos sabiam – cairia a qualquer momento.
Já quase anoitecia, mas o velho estava de óculos escuros, que usava para esconder os olhos cegos. Vestia uma roupa alinhada, perfeitamente limpa e passada, sapatos lustrados com afinco, e trazia no braço direito uma pulseira de ouro. Era também o braço direito que segurava a bengala, o castão envolto com firmeza na mão fechada, com dedos formando grossos nós.
Era curioso que saísse só, e tão tarde, e numa tarde com promessa de chuva. Mas ele nem parecia importar-se. Na verdade, nem parecia cego, tal a desenvoltura com que se movimentava, agitando a bengala de um lado a outro, a farejar o caminho. Ninguém o vira atravessar a rua, mas, uma vez na calçada, andava muito à vontade, como se não temesse nada. E havia em seu rosto uma expressão de tamanha felicidade que, não fosse pela curvatura das costas, dir-se-ia que a qualquer instante ele começaria a dançar.
Mas de repente parou.
E por um instante permaneceu imóvel, as costas agora quase eretas, o cenho franzido, as narinas em alerta. Quem o visse de longe poderia pensar que estava assustado, que fora talvez atingido por uma lufada de vento, primeiro sinal da ventania que se anunciava. Mas não. Os primeiros sopros do vento ainda rugiam sobre o mar, muito além da curva protetora de Copacabana. O que fora, então? O que o fizera parar assim, como se fulminado?
Era, na verdade, um vendaval. Um vendaval sem vento, aquilo que o atingira. Uma lufada poderosa, que o fizera estancar os gestos, o coração batendo como louco, a garganta apertada.
Seus olhos adormecidos nem viam a mulher jovem, de pernas longas e porte esguio, que estava parada a poucos metros dele, olhando a praia. Ele jamais viria a saber quem ela era, nem por que estava ali. Tampouco saberia a razão de seu olhar perdido, da mão que segurava com força a lata de cerveja. Mas de uma coisa o velho sabia: ali estava o vendaval. Porque, fosse quem fosse, a moça usava um perfume. O mesmo perfume da mulher que ele amara um dia – muito tempo atrás.


Heloísa Seixas