segunda-feira, 28 de maio de 2012

Eu já fui cabo de vassoura, confesso. Um cabo de vassoura como tantos outros. Seria longo contar tudo o que tenho passado nesta longa vida, desde que me arrancaram da árvore em que fui tronco e me levaram a uma oficina, onde fui cortado, torneado e mil coisas sofri, até conhecer a nova função que me reservava o destino.
Meus irmãos de floresta, muitos cortados comigo na mesma ocasião, depois que deixaram de ser galho ou tronco de árvore para ser madeira, que é como nos chamam depois do serrote ou do machado, estão espalhados por esse mundo de Deus. Muitos, hoje são caixas e caixotes. Graças a isso, têm acabado conhecendo até países estrangeiros, levando laranjas ou latas de conserva. Outros acabaram mesas, cadeiras, armários, móveis de toda sorte. Tenho primos que são portas, janelas e se contentam olhando o movimento da rua. Alguns, tão orgulhosos no tempo das folhas, quando o vento passava e assobiava no arvoredo, são hoje, apenas, soalho. Fraco destino, para quem vivia na altura e sonhava, na pior das hipóteses, ser, pelo menos, teto ou armação de telhado, coisa que, para ser vista, obriga o bicho homem a levantar a cabeça. Ser pisado e repisado o dia inteiro, tábua humilde de assoalho, por pés desconhecidos, de sapato sujo, é triste para quem já foi árvore e enfrentou raios e ventanias.
[...]
Destino de quem foi árvore ou galho é dureza...
Os homens que nos utilizam e nos utilizaram, desde o começo dos tempos, cortando, serrando, aplainando, enfiando pregos, são de uma insensibilidade impressionante.



Orígenes Lessa, Memórias de um cabo de vassoura