segunda-feira, 28 de maio de 2012

Gabriel García Marquez, Cem anos de solidão

O Coronel Aureliano Buendía dispunha então de tempo para enviar de quinze em quinze dias um informe pormenorizado a Macondo. Mas apenas uma vez, quase meses depois de ter partido, Úrsula lhe escreveu. Um emissário especial trouxe em casa um envelope lacrado, dentro do qual havia um papel escrito com a caligrafia preciosa do coronel: Tomem muito cuidado com papai porque ele vai morrer. Úrsula se alarmou. "Se Aureliano está dizendo, Aureliano sabe", disse. E pediu ajuda para levar José Arcadio Buendía para o seu quarto. Não só estava tão pesado como sempre, mas também na sua prolongada estadia debaixo do castanheiro tinha desenvolvido a faculdade de aumentar de peso voluntariamente, a ponto de sete homens não poderem com ele e terem de levá-lo arrastado para a cama. Um bafo de fungos novos, de orelha-de-pau, de antiga e concentrada intempérie impregnou o ar do quarto quando começou a respirá-lo o velho colossal macerado pelo sol e pela chuva. No dia seguinte não amanheceu na cama. Depois de procurá-lo por todos os quartos, Úrsula encontrou-o outra vez debaixo do castanheiro. Então o amarraram na cama. Apesar da sua força intacta, José Arcadio Buendía não estava em condições de lutar. Tanto fazia para ele. Se voltou ao castanheiro não foi por vontade, mas por um costume do corpo. Úrsula cuidava dele, dava-lhe de comer, levava-lhe notícias de Aureliano. Mas na realidade, a única pessoa com quem ele podia ter contato, há muito tempo já, era Prudencio Aguilar. Já quase pulverizado pela profunda decrepitude da morte, Prudencio Aguilar vinha duas vezes por dia conversar com ele. Falavam de galos. Prometiam fazer uma criação de animais magníficos, não tanto para desfrutar umas vitórias que no momento já não lhes fariam falta, mas para ter alguma coisa com que se distrair nos tediosos domingos da morte. Era Prudencio Aguilar quem o limpava, quem lhe dava de comer e quem lhe levava notícias esplêndidas de um desconhecido chamava Aureliano e que era coronel na guerra. Quando só, ele se consolava com o sonho dos quartos infinitos. Sonhava que se levantava da cama, abria a porta e passava para outro quarto igual, com a mesma cama de cabeceira de ferro batido, a mesma poltrona de vime e o mesmo quadrinho da Virgem dos Remedios na parede do fundo. Desse quarto passava para outro exatamente igual, cuja porta abria para passar para outro exatamente igual, e em seguida para outro exatamente igual, até o infinito. Gostava de ir de quarto em quarto, como numa galeria de espelhos paralelos, até que Prudencio Aguilar lhe tocava o ombro. Então voltava de quarto em quarto, acordando para trás, percorrendo o caminho inverso, e encontrava Prudencio Aguilar no quarto da realidade. Uma noite, porém, duas semanas depois de o terem levado para a cama, Prudencio Aguilar tocou-lhe o ombro num quarto intermediário, e ele ficou ali para sempre, pensando que era o quarto real. Na manhã seguinte, Úrsula lhe levava o café quando viu se aproximar um homem pelo corredor. Era pequeno e atarracado, com um terno de fazenda negra e um chapéu também negro, enorme, enterrado até os olhos taciturnos. "Meu Deus", pensou Úrsula. "Eu teria jurado que era Melquíades." Era Cataure, o irmão de Visitación, que havia abandonado a casa fugindo da peste da insônia, e de quem nunca se tornou a ter notícia. Visitación perguntou-lhe por que tinha voltado, e ele respondeu na sua língua solene: — Vim ao funeral do rei. Então entraram no quarto de José Arcadio Buendía, sacudiram-no com toda força, gritaram-lhe ao ouvido, puseram um espelho diante das fossas nasais, mas não puderam despertá-lo. Pouco depois, quando o carpinteiro tomava as medidas para o ataúde, viram pela janela que estava caindo uma chuvinha de minúsculas flores amarelas. Caíram por toda a noite sobre o povoado, numa tempestade silenciosa, e cobriram os tetos e taparam as portas, e sufocaram os animais que dormiam ao relento. Tantas flores caíram do céu que as ruas amanheceram atapetadas por uma colcha compacta, e eles tiveram que abrir caminho com pás e ancinhos para que o enterro pudesse passar.


Gabriel García Marquez, Cem anos de solidão