sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Jostein Gaarder, O mundo de Sofia

ROMANTISMO


...o caminho do mistério aponta para dentro...


- O Romantismo durou tanto tempo assim?
- Ele começou em fins do século XVIII e durou até meados do século passado. Depois de 1850, não faz muito sentido falarmos de épocas inteiras que compreendiam igualmente a poesia, a filosofia, a arte, a ciência e a música.
- O Romantismo foi uma dessas épocas?
- Sim, e, como dissemos, a última na Europa. Ele começou na Alemanha como reação à parcialidade do culto à razão apregoado pelo iluminismo. Depois de Kant e de sua fria filosofia da razão, os jovens alemães finalmente podiam respirar aliviados.
- E o que eles colocaram no lugar da razão?
- As novas palavras de ordem eram "sentimento", "imaginação", "experiência" e "anseio". Alguns pensadores do iluminismo também tinham alertado para a importância dos sentimentos, como Rosseau, por exemplo, e criticado o fato de os iluministas enfatizarem apenas a razão. Agora, no romantismo, esta corrente secundária se transformou no veio principal da vida cultural alemã.
- Quer dizer que a popularidade de kant não durou muito tempo?
- Sim e não. Muitos românticos chegaram a se considerar sucessores de Kant, pois Kant havia dito que há limites para o que podemos saber. Além disso ele também havia mostrado o quanto é importante a contribuição do nosso eu para o processo de aquisição do conhecimento. E agora, no romantismo, o indivíduo encontrava o caminho livre, por assim dizer, para fazer a sua interpretação pessoal da vida. Os românticos professavam uma glorificação quase irrestrita do eu. A essência da personalidade romântica é, por isso mesmo, o gênio do artista.
- E houve muitos gênios durante esta época?
- Alguns. Beethoven por exemplo. Sua música nos mostra uma pessoa que consegue exprimir seus próprios sentimentos e anseios. Nesse sentido, Beethoven foi um artista "livre", ao contrário de mestres do Barroco como Bach e Händel, que compunham suas obras em louvor a Deus e frequentemente segundo rígidas normas de composição.
- De Beethoven eu só conheço a Sonata ao luar e a Quinta sinfonia.
- Ouvindo essas peças dá para perceber como Beethoven conseguiu dar vazão a todo o seu romantismo na Sonata ao luar e a toda a sua dramaticidade na Quinta sinfonia. [...]
- Quer dizer que o artista pode nos dizer coisas que o filósofo não é capaz de nos dizer?
- Era isto o que achava Kant e os românticos. Para Kant, o artista brinca livremente com sua capacidade de cognição. O poeta Friedrich Schiller desenvolveu um pouco mais os pensamentos de Kant. Schiller disse que o processo de criação do artista é uma atividade lúdica e que só nela o homem é verdadeiramente livre, pois ele próprio determina suas regras . Os românticos acreditavam, portanto, que só a arte era capaz de nos aproximar do indizível. [...]
- Costumava-se dizer que o artista possuía uma espécie de imaginação criadora do mundo. Em seu êxtase artístico, ele seria capaz de experimentar um estado em que as fronteiras entre sonho e realidade desaparecem. O poeta Novalis, um dos jovens gênios do Romantismo, disse: "O mundo se transforma em sonho e o sonho em mundo". Novalis escreveu um romance ambientado na Idade Média e intitulado Heinrich von Ofterdingen, que ficou inacabado quando o autor faleceu no ano de 1801, mas que foi de grande importância para o Romantismo. Nele encontramos o jovem Heinrich, que procura incansavelmente a "flor azul" que um dia viu em sonho e por quem se apaixonou desde então. O romântico inglês Coleridge expressou assim o mesmo pensamento:

E se você dormisse? E se você sonhasse? E se, em seu sonho, você fosse ao Paraíso e lá colhesse uma flor bela e estranha? E se, ao despertar, você tivesse a flor entre as mãos? Ah, e então?

- Lindo.
- Este anseio por algo longínquio e inatingível foi um traço típico dos românticos. Vem daí o seu forte interesse por tempos passados, como a Idade Média, por exemplo, que no iluminismo ainda era tida como uma época de trevas, mas que agora voltava a ser energicamente revalorizada; ou então por culturas distantes, por exemplo a "terra do sol nascente" e toda a sua mística. Os românticos sentiam-se atraídos pela noite, pelo "  crepúsculo"  , por antigas ruínas e pelo sobrenatural. Interessava-lhes aquilo que costumamos chamar de o lado oculto da vida: o obscuro, o misterioso, o místico.
- Acho que deve ter sido uma época muito interessante. [...]
- Continue contando.
- Novalis só viveu até os vinte e nove anos. Ele foi mais um dos chamados "mortos jovens", pois os românticos morriam muito cedo, frequentemente de tuberculose. Alguns cometiam suicídio...
- Deus meu!
- E os que chegavam a envelhecer geralmente deixavam de ser românticos. Assim, aos trinta anos mais ou menos, muitos abandonavam a vida de romântico e passavam a ser totalmente burgueses e conservadores.
- Quer dizer, passavam para o lado do inimigo.
- Sim, pode ser. Mas nós estávamos falando do amor na época do romantismo: a grande obra sobre o amor inatingível é o romance de Goethe. Os sofrimentos do jovem Werther, de 1774. O romance termina quando o jovem Werther se suicida porque não podia ter aquela que ama...
- Mas isto não era ir longe demais?
- Bem, os contemporâneos de Goethe identificaram-se com os motivos que tinham levado Werther ao suicídio. Por toda a parte em que o romance circulou, os índices de suicídio aumentaram rapidamente. Na Dinamarca e na Noruega, Werther chegou mesmo a ser proibido por um bom tempo. Ser romântico autêntico não era coisa das mais seguras. Havia sentimentos e emoções fortes em jogo.

Jostein Gaarder, O mundo de Sofia