[…] escrever é essa explosão de dizer as coisas como eu acho que elas têm que ser ditas, completamente, para passar para o outro a intensidade, a perplexidade do ser humano completamente incendiado de emoções, de procuras, perguntas e buscas.
Tenho muito medo, tenho pânico das situações-limite. Acho que eu escrevo sobre elas para me exorcizar. A paixão, a morte, o perguntar-se. Tenho muito medo de mim também, por isso escrevo. Escrever é ir em direção a muitas vidas e muitas mortes.
Sou alguém sobre quem as pessoas falam, mas meus livros não são lidos. As pessoas me diziam: “Escuta, você não é conhecida porque ninguém te vê. Você não está fazendo como devia ser feito”. Eu não tenho nenhuma vontade de me colocar nestas situações: ser poeta e dar conferências, falar sobre si mesmo, sobre o trabalho que fazemos, não! Isso me enche o saco. As pessoas manipulam, pedem para você se produzir, porque você é um escritor, e eu me recuso a fazer isso, me recuso. Posso parecer uma estúpida, mas meu trabalho é sagrado. Eu escrevo. Que me deixem escrever, então. Ao mesmo tempo, a poesia me proporcionou grandes alegrias nesses momentos em que eu parecia ter encontrado a forma exata de traduzir esse resíduo, a essência da emoção. Mas é verdade que isso teve muito pouco eco.
Você fica mesmo com febre quando a poesia acontece. Durante alguns dias você fica tomado por alguma coisa que você não sabe o que é, com uma espécie de febre interior. […] O primeiro verso é base para mim. Me vem o primeiro verso e depois, durante dias, vêm os outros, difíceis de trabalhar. Eu fico vermelha, passo mal. Acontece esse milagre.
Tive a felicidade de ter um pai louco completamente. Talvez, por isso até, eu tenha me tornado uma escritora. […] Esse homem, muito inteligente, ficou louco, quando eu era pequenina, com três anos de idade. Minha mãe já havia se separado dele e eu pude, então, reinventar um pai. Pude, também, ter coisas que ele escrevia. Ele foi um crítico, um poeta. Uma pessoa rara e fascinante. Com suas fotografias todas, com tudo o que eu lia do que ele havia escrito, fiquei uma edipiana furiosa. E foi uma maravilha. […] A loucura sempre me fascinou muito. Não a loucura terrível, onde existe um sofrimento definitivo como foi o caso dele, que passou a vida toda louco, morrendo com quase setenta anos. Mas me fascinaram sempre as pessoas que, de repente, começam a pensar coisas que nunca ninguém pensou.
Eu fico besta. Ninguém me lê, nesses quase cinquenta anos foi assim, e me descobriram só agora, que estou quase morrendo. Eu ouço dizer muito que as pessoas não me entendem, e quando alguém me entende eu fico besta, porque não sei como é que é escrever compreensivelmente.
Meus poemas nascem porque precisam nascer. Nascem do inconformismo. Do desejo de ultrapassar o Nada. As emoções sentimentais raramente inspiram a minha poesia, que quase sempre surge de um problema maior – o problema da morte, morte não no sentido metafísico de tudo quanto possa advir depois de acontecida. O que faz nascer a minha poesia é a não aceitação de que um dia a vida se diluirá e, com ela, o amor, as emoções do sonho e toda essa força em potencial que vive dentro de nós.
Cada escritor tem um processo de criação. “Para você ser poeta, você precisa estudar?” É uma coisa que perguntam muito. Porque há toda uma teoria de que a espontaneidade é muito importante. Eu me lembro – e repito isto porque gosto muito – de uma frase que escreveram numa universidade americana: “Qualquer cretino pode ser espontâneo”. Na verdade, para fazer uma literatura que seja considerada essencial, você precisa ler muitíssimo, estudar muitíssimo e, só depois de muitos anos, é que você fica mesmo apta a trabalhar. […] O processo demora muitos anos; quinze, vinte anos, para de repente se poder dizer: “Agora acho que está bem, que eu consegui o melhor de mim”. E tem muito a ver também com o processo intuitivo. É a logicidade, sua escolaridade e o processo intuitivo também.
Hilda Hilst