domingo, 21 de janeiro de 2024


 Primeiro a tua língua molha o meu

coração, num vagar de fera. Estendo

aurículas e ventrículos sobre a mesa, entre

os copos que desaparecem. Não há mais

ninguém no bar cheio de gente. Abres-me agora os

pulmões, um para cada lado, e sopras. Respiras-

-me. O laser das tuas palavras rasga-me o lobo

frontal do cérebro. A tua boca abre-se e fecha-se,

fecha-se e abre-se, avançando

por dentro da minha cabeça. As minhas cidades

ruem como rios, correndo para o fundo dos teus olhos.

O tempo estilhaça-se no fogo

preso das nossas retinas. O empregado do bar

retira da mesa o nosso passado e arruma-o na vitrina,

ao lado dos exércitos de chumbo.

Entramos um no outro,

abrindo e fechando as pernas

das palavras, estremecendo no suor dos

olhos abraçados, fazendo sexo

com a lava incandescente dessa revolução

imprevista a que damos o nome de amor.


Inês Pedrosa