Igor Shulman |
No quarto todo branco, no velho bairro de Barcelona, os nossos corpos eram atirados sobre uma cama deitada no chão de madeira, uma jangada à deriva no mar. O prazer queima a pele, qualquer coisa de inextinguível. Nunca provarei os beijos que te dou, nem o arrepio que te percorre quando passo os leves dedos sobre as tuas costas que não terminam nunca, a ninguém saberei mentir como te minto quando te digo que sou teu para te dizer que te quero minha.
Apanhei o avião das oito e meia para o meu desejo me levar como bagagem de mão. Até Barcelona, basta. Ao mostrar um passaporte perguntam-me pelo propósito da visita. Não vou confessar que procuro a mulher que me virou a vida do avesso e pretendo assassinar no caso de ser viável matar o que vive em nós sem nós próprios falecermos. Espera-me, no meio de um hangar de gigantes, um ponto — uma pequena mancha que vai crescendo, ganhando forma e figura, movimento, cor, sapatos e mãos — uma mancha a que me abraço todo fechando os olhos com força para não ver mais do que já vi e é sempre demais. Pode ser assustador voltar a ver quem mais se deseja por ser ligeiramente outra a pessoa que te aguarda, e precisas de longos e ansiosos segundos para ligares uma série de imagens fixas presas no passado a uma coisa viva de múltiplas dimensões que está à tua frente para então poderes ficar temporariamente sossegado de que ainda deve ser a pessoa que jurou que te amava, que por ti morreria — uma prova que julgas excessiva, muito menos definitiva.
Pedro Paixão