quinta-feira, 19 de maio de 2022

 

Mariska Karto


Amei-te como na vida se ama uma só vez;

e todos os afetos que dividi depois eram

apenas cinzas que evocavam o brilho dessa

imensa chama. Troquei suspiros e beijos


com muitas outras bocas quando, na minha,

o travo da solidão era uma amarga desculpa

para repartir o pouco que não tinha; mas


em nenhuma quis morder fruto mais

suculento que o silêncio nem permiti que

pousasse sequer o meu nome verdadeiro -

que só nos teus lábios era graça e canção


e eco de loucura. Foi o meu corpo tão vão displicente

naqueles que o cingiram que me faria velha

a tentar recordar-lhes os gestos hesitantes,

as convulsões da pressa e os veios de sal que

descreviam no litoral da pele o aviso de uma

paisagem interior abandonada. Mas de nada


me serviu amar-te assim - pois, ao dizer-te o

que não pude ser longe de ti, digo-te o que sou

e isso há de guardar-te para sempre de voltares.


Maria do Rosário Pedreira