quarta-feira, 18 de maio de 2022

 

Francine Van Hove


O gato lembra-se de ti nos intervalos. Espera 

de olhos acesos as histórias que nos contas. 

Passeia-se inquieto sobre o meu parapeito e eriça 

o pêlo, cúmplice, quando pressente que regressas. 


 Chegas sempre de noite. Sei quem és e ao que vens 

e ofereço-te o silêncio de um pequeno quarto recuado,

 as sombras das traseiras na minha pele, o tempo 

de repetir um gesto inevitável. Ouço-te contar 

 a mesma lenda com lábios sempre novos. Aprendo-a

 e esqueço-a. Nunca a saberemos de cor, o gato ou eu. 


 Depois partes. Levas contigo a tua voz, mas a música

 fica. Eu fecho as portadas devagar. O gato mia baixo

 à janela. Ninguém acena: guardamos com os outros 

o segredo das tuas visitas. Ambos. O gato e eu. 


 Maria do Rosário Pedreira