quarta-feira, 18 de maio de 2022

Até amanhã

 


Respira. Um corpo horizontal,

tangível, respira.

Um corpo nu, divino,

respira, ondula, infatigável.


Amorosamente toco o que resta dos deuses.

As mãos seguem a inclinação

do peito e tremem,

pesadas de desejo.


Um rio interior aguarda.

Aguarda um relâmpago,

um raio de sol,

outro corpo.


Se encosto o ouvido à sua nudez,

uma música sobe,

ergue-se do sangue,

prolonga outra música.


Um novo corpo nasce,

nasce dessa música que não cessa,

desse bosque rumoroso de luz,

debaixo do meu corpo desvelado.


ANDRADE, Eugénio de. "Até amanhã". 

In:_____. Poesia. Porto: Modo de Ler, 2011.