domingo, 13 de fevereiro de 2022

 

Victor Bauer


Tu Vinhas

Não me fizeste sofrer 

mas esperar.


Naquelas horas 

emaranhadas, cheias 

de serpentes, 

quando 

a alma me caía e eu me afogava, 

tu vinhas-te aproximando, 

tu vinhas nua e arranhada, 

tu chegavas ensanguentada ao meu leito, 

noiva minha, 

e então 

caminhávamos toda a noite dormindo 

e, quando acordávamos, 

estavas intacta e nova, 

como se o vento grave dos sonhos 

acendesse de novo 

o fogo da tua cabeleira 

e em trigo e prata submergisse 

teu corpo até torná-lo deslumbrante.


Eu não sofri, meu amor, 

esperava-te apenas. 

Tu precisavas de mudar de coração 

e de olhar 

depois de tocares a profunda 

zona do mar que meu peito te entregou. 

Precisavas de sair da água 

pura como uma gota erguida 

por uma onda noturna.


Noiva minha, tu precisaste 

de morrer e de nascer, eu esperava-te. 

Não sofri a procurar-te, 

sabia que virias, 

mas outra, com o que adoro 

da mulher que não adorava, 

com teus olhos, tuas mãos e tua boca, 

mas com outro coração, 

que amanheceu a meu lado 

como se sempre tivesse estado ali 

para continuar comigo para sempre.



Pablo Neruda 

— Os Versos do Capitão (1952)