sexta-feira, 23 de julho de 2021

Quando o crime acontece como a chuva que cai

 to remember life - Daniel Gerhartz

Como alguém que chega ao balcão com uma carta importante após o horário de atendimento: o balcão está fechado. Como alguém que quer prevenir a cidade contra uma inundação, mas fala uma outra língua: ele não é compreendido. Como um mendigo que bate pela quinta vez numa porta onde já recebeu algo quatro vezes: pela quinta vez tem fome.

Como alguém cujo sangue flui de uma ferida e que espera pelo médico: seu sangue continua saindo.

Assim chegamos e relatamos que se cometem crimes contra nos.

Quando pela primeira vez foi relatado que nossos amigos estavam sendo mortos, houve um grito de horror. Centenas foram mortos então. Mas quando milhares foram mortos e a matança era sem fim, o silêncio tomou conta de tudo.

Quando o crime acontece como a chuva que cai, ninguém mais grita “alto!”.

Quando as maldades se multiplicam, tornam-se invisíveis.

Quando os sofrimentos se tornam insuportáveis, não se ouvem mais os gritos.

Também os gritos caem como a chuva de verão.


Bertolt Brecht (Augsburg, 1898 — Berlim Leste, 1956)