quarta-feira, 29 de novembro de 2017


Rut, Tomasz - Ecstasy


Ataquei a tua boca. Como um animal
uivando a fome ancestral dos primeiros predadores.
Devorei-te os lábios, o pescoço, a língua, deslizei pelo
interior da tua boca, e tentei penetrar pela tua garganta
até ao peito para apoderar-me, deslumbrado e faminto,
do teu coração. Beijei como quem morde. E mordi
como quem devora e se sacia de carne fresca,
os músculos, os nervos, os centros do desejo. Bebi
dos poços mais profundos, das nascentes da tua pele,
até me escorrerem pela face os fios molhados da felicidade,
até sentir o gosto que só têm o êxtase e a alegria.
E de súbito todo o teu corpo era um festim.
Os teus seios, as tuas coxas, as tuas nádegas
longamente gritaram na minha boca, entregando-se
como presas resignadas ao sacrifício que
o meu sangue enfurecido cantou, e cantou, e cantou.
Depois, com a mais azul serenidade,
lambi-te os golpes e as feridas. Beijei o teu corpo
espantado por ver descer a madrugada suplicante,
num ritual que o fez regressar à vida.
E reparei que as marcas, os golpes, as feridas,
estavam também doendo em mim. Que eu fora
igualmente dominado, mordido, que havia sangrado até
no interior da voz, no pensamento, no desejo infinito
de confundir no teu corpo os limites do meu corpo.
E voltei a uivar. Cantei na noite o obscuro domínio
de um animal que outro animal possui e é também
possuído numa luta, numa vitória que é de ambos, onde
se misturam o sal, a saliva, o sangue, a sombra,
para que assim se penetrem, se amem, se confundam.
Demarquei no teu corpo o meu território. Agora,
defendê-lo-ei até aos meus limites.
Com a própria vida.


Joaquim Pessoa 
in ANO COMUM - 2ª edição