domingo, 14 de setembro de 2014

278 – O pensamento da morte

Pat BBrennan


Uma alegria melancólica origina-se em mim pelo fato de viver neste emaranhado de ruelas, de necessidades, de vozes: quantos prazeres, impaciências, desejos, quanta sede de vida e de embriaguez de vida surgem aqui a cada nascimento! Todavia, que silêncio depressa terá coberto todos estes barulhentos, todos estes vivos, todos estes ávidos! Como se vê bem atrás de cada um desenhar-se a sua sombra, o seu obscuro companheiro de caminho! Acontece constantemente como no último momento antes da partida de um navio de emigrantes: há muito a dizer-se, a hora aperta, o oceano e o seu vazio silêncio esperam impacientemente atrás de todo este barulho... tão ávidos, tão seguros de sua pressa! E todos, todos imaginam que o passado não é nada, que o futuro próximo é tudo: de onde esta pressa, estes gritos, esta necessidade de se endurecer, o atordoar-se a avantajar-se! Cada um deles quer ser o primeiro neste futuro e, no entanto, a morte, o silêncio do túmulo, é a única certeza que ele oferece, e comum a todos nesse futuro. Como é estranho que esta única certeza e esta única comunhão não possam quase nada sobre os homens, e que não haja aí nada mais distante do seu espírito que a ideia de sentir esta fraternidade da morte? Sinto-me feliz ao perceber que os homens se recusam absolutamente a querer pensar na morte. Eu gostaria muito de poder contribuir para lhes tornar o pensamento da vida ainda mil vezes mais digno de ser pensado.


Friedrich Nietzsche in  A Gaia ciência