domingo, 6 de janeiro de 2013

Inês Pedrosa, Fazes-me falta





 Ninguém te recorda como eu. Os teus amigos definem-te como uma pessoa fria, determinada, sempre mais pronta para a crítica do que para o elogio. E muito preocupada com a imagem.
Põem-te na boca morta frases que me parecem impossíveis e depois suspiram, apiedados: No fundo, era uma pessoa frágil.
Perdeu os pais tão cedo, era de esperar. Resumida a três postais velhos, ficas mais fácil de arquivar A Luísa, que entrou para o Departamento por recomendação tua, agora conta a quem a quer ouvir que se lembra muito bem da tua chegada à Universidade. E ninguém a desmente. O festim da tua carne apodrecida está a tornar-me misantropo. Antes o meu clube de velhos snobs; os estetas, ao menos, respeitam o silêncio das estátuas.
Ninguém sabe falar de como tu fumavas, com o cigarro entre o terceiro e o quarto dedo da mão esquerda. Ninguém é capaz de descrever a curva dos teus dedos, duendes em movimento de marioneta. Ensinaram-te a falar sem as mãos; nos debates televisivos algemavas os duendes a uma caneta. Eu ficava a olhar para eles, ansiosos por saltar sobre as tuas palavras, para que elas dançassem, corpos transparentes inebriados de sonhos. Essas mãos omitidas aplanavam-te o discurso, mas creio que nunca tive tempo de to dizer.


Inês Pedrosa, Fazes-me falta