quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Marguerite Duras, O amante




Estou com um vestido de seda natural, gasto, quase transparente. Tinha sido antes de minha mãe; um dia ela deixou de usá-lo porque achava claro demais e me deu. É um vestido sem mangas, muito decotado. Daquele tom amarelado que a seda natural adquire com o uso. Tenho-o na lembrança. Acho que ele me cai bem.

Uso um cinto de couro na cintura, talvez de meus irmãos. Não me lembro dos sapatos que usava naquele tempo, só de certos vestidos. Na maior parte do tempo, uso sandálias de lona sem meias. Falo da época anterior ao colégio de Saigon. A partir de então, naturalmente sempre uso sapatos. Naquele dia, eu devia estar usando aqueles famosos sapatos de salto alto em lamê dourado. Não vejo que outra coisa poderia estar usando naquele dia, portanto eu os uso. Saldo de liquidação que minha mãe me comprou. Uso esses sapatos de lamê dourado para ir ao liceu. Vou ao liceu com sapatos de noite enfeitados com pequenos desenhos de strass. É por minha vontade. Só me suporto com esse par de sapatos, e ainda agora é o que quero, são os primeiros sapatos de salto alto da minha vida, lindos, eclipsaram todos os anteriores, aqueles para correr e brincar, baixos, de lona branca.

Não são os sapatos que compõem o que há de insólito, de inaudito, na aparência da menina naquele dia. O que há naquele dia é que a menina está usando um chapéu masculino com as abas retas e lisas, um feltro macio cor de pau-rosa com uma larga fita preta.

A ambiguidade determinante da imagem está nesse chapéu. 

Como ele chegou até mim, esqueci. Não imagino quem poderia ter me dado. Acho que foi minha mãe que comprou, a pedido meu. Única certeza, era um saldo de liquidação. Como explicar essa compra? Nessa época, nenhuma mulher, nenhuma moça usava chapéu masculino na colônia. Nenhuma nativa tampouco. O que deve ter acontecido é que experimentei esse chapéu, à toa, de brincadeira, olhei-me no espelho da loja e vi: sob o chapéu masculino, a ingrata magreza da forma, essa imperfeição da infância, se tornou outra coisa. Deixou de ser um dado brutal, fatal, da natureza. Tornou-se, pelo contrário, uma escolha oposta a ela, uma escolha do espírito. De repente eu quis essa magreza. De repente eu me vejo como outra, como outra seria vista, de fora, posta à disposição de todos, à disposição de todos os olhares, na circulação das cidades, dos caminhos, do desejo. Pego o chapéu, não me separo mais dele, eu o tenho, tenho esse chapéu que me faz sentir inteira com ele, não o deixo mais. Quanto aos sapatos, deve ter sido meio parecido, mas depois do chapéu. Eles contradizem o chapéu, tal como o chapéu contradiz o corpo franzino, portanto são bons para mim. Também não os deixo mais, vou a todos os lugares com esses sapatos, esse chapéu, na rua, toda hora, em todo lugar, vou à cidade.


Marguerite Duras, O amante