jaroslav monchak |
Abraçava-me à noite nítida,
à alta, à vasta noite estrangeira,
e aos seus ouvidos sucessivos murmurava:
“Não quero mais dormir, nunca mais, noite, esparsas
nuvens de estrelas sobre as planícies detidas,
sobre sinuosos canais, balouçantes e frios,
sobre os parques inermes, onde a bruma e as folhas ruivas
sentem chegar o outono e, reunidas, esperam
sua lei, sua sorte, como as pobres figuras humanas.”
E aos seus ouvidos sucessivos murmurava:
“Não quero mais dormir, nunca mais, quero sempre
mais tempo para os meus olhos, - vida, areia, amor profundo... –
conchas de pensamentos sonhando-se desertamente.”
E a noite dizia-me: “Vem comigo, pois, ao vento das dunas,
vem ver que lembranças esvoaçam na fronte quieta do sono,
e as pálpebras lisas, e a pálida face, e o lábio parado
e as livres mãos dos vagos corpos adormecidos!
Vem ver o silencio que tece e destece ordens sobre-humanas,
e os nomes efêmeros de tudo que desce à franja do horizonte!
Oh! Os nomes... – na espuma, na areia, no limite incerto dos mundos,
plácidos, frágeis, entregues à sua data breve,
irresponsáveis e meigos, boiando, boiando na sombra das almas,
suspiro da primavera na aresta súbita dos meses...”
E a linguagem da noite era velhíssima e exata.
E eu ia com ela pelas dunas, pelos horizontes,
entre moinhos e barcos, entre mil infinitos noturnos leitos.
Meus olhos andavam mais longe do que nunca,
voavam, nem fechados nem abertos,
independentes de mim,
sem peso algum, na escuridão,
e liam, liam, liam o que jamais esteve escrito,
na rasa solidão do tempo, e sem qualquer esperança
- qualquer.
Cecília Meireles