quinta-feira, 17 de janeiro de 2013
Franz Kafka, A metamorfose
A irmã tocava com tanta beleza! O rosto dela estava inclinado para o lado; perscrutadores e tristes, seus olhares seguiam as linhas da partitura. Gregor rastejou mais um pedaço à frente e manteve a cabeça colada ao chão, no provável intuito de encontrar os olhares dela. Era ele um animal, uma vez que a música o tocava tanto? Parecia-lhe que enfim se abria para ele o caminho ao alimento almejado e desconhecido. Estava decidido a chegar até a irmã, puxá-la pela saia a fim de lhe indagar com isso se ela não queria talvez vir a seu quarto com o violino, pois ninguém na sala pagava por sua música tanto quanto ele desejava pagar. Não queria mais deixá-la sair de seu quarto, pelo menos não enquanto estivesse vivo; sua figura assustadora pela primeira vez teria de se tornar útil; ele queria estar em todas as portas de seu quarto ao mesmo tempo e bufar contra todos os agressores, no entanto, a irmã não deveria ficar com ele obrigada, mas de livre e espontânea vontade; ela deveria ficar sentada ao lado dele sobre o canapé, o ouvido inclinado para ele, e ele queria lhe confiar então que havia tido o firme propósito de mandá-la ao conservatório e que teria comunicado isso a todos no Natal passado – será mesmo que o Natal já havia passado?-, se não tivesse acontecido a desgraça, sem se preocupar com qualquer tipo de discurso contrário. Depois dessa explicação a irmã haveria de romper em lágrimas de comoção e Gregor se ergueria até alcançar os seus ombros para beijar seu pescoço, que ela trazia livre, sem fita ou colarinho, desde que passara a trabalhar na loja.
Franz Kafka, A metamorfose