sábado, 18 de fevereiro de 2012

Bomba de estrelas



nem toda nota é o tom,
nem toda luz é acesa,
nem todo belo é beleza,
nem toda pele é vison.
nem toda bala é bombom,
nem todo gato é do mato,
nem todo quieto é pacato,
nem todo mal é varrido.
nem todo preso é punido,
nem todo queijo é do rato.


nem toda estrada é caminho,
nem todo trilho é do trem,
nem todo longe é além,
nem toda ponta é espinho.
nem todo beijo é carinho,
nem todo talho é um corte,
nem toda estrela é do norte,
nem todo ruim é do mal.
nem todo ponto é o final,
nem todo fim é a morte.


nem todo rei é bondoso,
nem todo rico é feliz,
nem todo chão é pais,
nem todo sangue é honroso.
nem todo grande é famoso,
nem todo sonho é visão,
nem todo pique é ação,
nem todo mundo é planeta.
nem toda pena é caneta,
nem todo certo é razão.


nem todo claro é clareza,
nem todo brilho é da luz,
nem todo cristo é o da cruz,
nem todo crime é defesa.
nem todo truque é proeza,
nem todo alto é altura,
nem todo quente é quentura,
nem todo prato é bandeja.
nem toda luta é peleja,
nem toda noite é escura.




nem todo coxo é perneta,
nem todo doido é demente,
nem todo grão é semente,
nem toda cara é careta.
nem toda mala é maleta,
nem todo verme é minhoca,
nem todo milho é pipoca,
nem todo santo é catimba.
nem todo poço é cacimba,
nem toda fala é fofoca.




nem todo tiro é de bala,
nem toda cobra é serpente,
nem todo sol é poente,
nem toda boca é a que fala.
nem todo quarto é senzala,
nem toda conta é exata.
nem todo couro é chibata,
nem todo peso é medido.
nem todo grito é sentido,
nem todo verde é o da mata.


nem toda faca é punhal,
nem todo corte é ferida,
nem toda guerra é vencida,
nem todo vago é banal.
nem todo gênio é o tal,
nem todo velho é idoso,
nem todo dengo é manhoso,
nem toda conta é correia.
nem toda linha é uma reta,
nem todo fraco é medroso.




nem todo fogo é fumaça,
nem todo fumo é tabaco,
nem todo furo é buraco,
nem todo pátio é praça.
nem todo dia é de graça,
nem todo peixe é do rio,
nem todo são é sadio,
nem toda cabeça pensa.
nem todo crime compensa,
nem todo gelo é do frio.




nem toda horta é canteiro,
nem todo monte é colina,
nem toda viola afina,
nem todo galho é poleiro.
nem todo rock é santeiro,
nem todo homem é tanto,
nem todo véu é um manto,
nem todo olho é vazado.
nem todo terço é rezado,
nem todo choro é um pranto.



nem toda goma é chiclete,
nem todo baço é bacana,
nem toda gente se engana,
nem toda vamp é vedete.
nem toda mão se intromete,
nem todo caso é paixão,
nem todo leque é pavão,
nem toda cerca separa.
nem todo peso é a tara,
nem toda vara é condão.




nem todo pó é poeira,
nem todo ventoé soprado,
nem todo leite é coalhado,
nem todo filtro é peneira.
nem toda folha é parreira,
nem todo bicho é papão,
nem todo aperto é de mão,
nem toda raça é humana.
nem toda mente é insana,
nem todo ente é irmão.



nem todo grão é semente,
nem todo barco é vapor,
nem todo grito é pavor,
nem todo sol é nascente.
nem todo elo é corrente,
nem todo filho tem pai,
nem tudo que sobe cai,
nem todo verso tem rima.
nem toda matéria é prima,
nem tudo que entra sai.



Zé Ramalho