Coisa estranha este fenômeno: Palavra!
Nela tudo se decompõe
Numa razão assimétrica
Incoerente e disfuncional
Para no ato seguinte
Ser toda ela funcional
De toda metafísica que se impõe
Não conheço qualquer ser
Que dela não dependa
Nada se lhe escapa
– seja na vida;
seja na morte
Tudo dela depende:
Paz e guerra
Homem e mulher
Criança e adulto
Fome e fartura
Miséria e riqueza
Leis e anomia
Patrão e empregado
Trabalho e desemprego
Céu e terra
Deus e diabo…
Não há na vida
Nem na morte
Sujeito de tamanha grandeza
Dela tem-se toda verdade
Mas a mentira nela invade
Ó, a Palavra!
Reina de todos Poetas
Dela fazem uso os Filósofos
A ela se quedam os cientistas
Diante dela ajoelham religiosos
Na retórica é brinquedo de sofistas
Santa e demoníaca é a Palavra!
Desperta amor e ódio
Fere a alma e o espírito como faca de dois gumes
Rasga a carne do verbo
Dilacera corações de amantes (e)
Beija as mãos que apedreja
Palavra! Ó tu, meiga e doce Palavra!
Rude e azeda como o fel da ponta da lança
Voraz, caidiça, decrépita e senil
Bela, altiva, nobre e digna
Arrogante, soberba e presunçosa
Sou-te o mais humilde escravo na floresta do discurso
Nada – desde a poeira do nada – define-te. Nada!
Explicar-te é todo o mistério
Entender-te é tudo que se deseja
És toda possibilidade do Ser – deus ou diabo –
Habitas no sonho, na realidade e no real
Constróis e desconstróis paraísos e infernos
És o símbolo oculto da mandala
De Parmênides a Sócrates
De Platão a Aristóteles
Sânscrita, ó Palavra, tu és
És mestre do hinduismo e do budismo e do tantrismo
És, enfim, a Paidéia de tudo ser
João Batista do Lago