quinta-feira, 2 de junho de 2011


Brown ligou o fonógrafo e começamos a dançar. O pouco álcool que eu bebera tinha subido à minha cabeça. Senti o universo inteiro dilatar-se. Tudo parecia muito suave e simples. De fato, tudo parecia descer correndo por uma colina nevada onde eu podia deslizar sem esforço. Senti uma grande amistosidade, como se conhecesse toda aquela gente intimamente. Mas escolhi o mais tímido dos pintores para dançar comigo. Senti que, como eu, ele de algum modo fingia estar muito familiarizado com aquilo. Senti que no fundo, no fundo ele estava um pouco constrangido. Os outros pintores estavam acariciando Ethel e Mollie enquanto dançavam. Ele não ousou fazê-lo. Eu ria comigo mesma por tê-lo descoberto. Brown viu que meu pintor não estava tomando nenhuma iniciativa e interpôs-se entre nós para uma dança. Ficou fazendo comentários astuciosos sobre virgens. Imaginei se estaria se referindo a mim. Como ele podia saber? Apertou-se contra mim, e me afastei dele. Voltei para o jovem pintor tímido. Uma ilustradora estava flertando com ele, provocando-o. Ele ficou igualmente feliz por eu voltar. Então fomos dançar, recolhendo-nos à nossa timidez. Agora todos à nossa volta estavam se beijando, se enlaçando.
A ilustradora havia tirado a blusa e estava dançando de anágua. O pintor tímido disse:
- Se ficarmos aqui, em breve teremos que deitar no chão e fazer amor. Você quer ir embora?
- Sim, quero ir embora – falei.
Saimos. Em vez de fazer amor, ele falava, falava. Eu ouvia aturdida. Ele tinha ideia de um quadro comigo. Queria me pintar como uma mulher submarina, nebulosa, transparente, verde, pálida, exceto pela boca bem vermelha e pela flor vermelha que eu usaria no cabelo. Será que eu posaria para ele? Não respondi muito rápido devido aos efeitos da bebida, e ele disse em tom de desculpas:
- Você esta chateada por eu não ter sido bruto?
- Não, não estou chateada. Escolhi você porque sabia que não seria bruto.
- É a minha primeira festa - disse ele, humildemente - e você não é o tipo de mulher que se possa tratar... daquele jeito. Como você se tornou modelo? O que fazia antes disso? Sei que uma modelo não tem que ser uma prostitua, mas tem que lidar com um monte de manuseio e investidas.
- Dou conta disso muito bem - falei, sem apreciar absolutamente essa conversa.
- Fico preocupado com você. Conheço alguns artistas que são muito objetivos enquanto trabalham, sei bem disso. Eu mesmo me sinto assim. Mas sempre tem um momento antes e depois, quando a modelo está se despindo e vestindo, que me perturba. É a surpresa inicial de ver o corpo. O que você sentiu na primeira vez?
- Absolutamente nada. Me senti como se já fosse uma pintura. Ou uma estátua. Olhei para meu próprio corpo como se fosse um objeto, um objeto impessoal.

Anaïs Nin