sábado, 26 de março de 2011
Delírios
II
A alquimia do verbo
A mim. A história de uma das minhas loucuras.
Desde há muito eu me vangloriava de possuir todas as paisagens possíveis, e me pareciam irrisórias as celebridades da pintura e da poesia moderna.
Gostava das pinturas idiotas, capitéis, cenários, telas de saltimbancos, tabuletas, iluminuras populares; a literatura fora de moda, latim de igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossas avós, contos de fadas, livros infantis, óperas antigas, estribilhos idiotas, ritmos ingênuos.
Sonhava com cruzadas, viagens de descobertas da quais não existem notícias, republicas sem historia, guerras religiosas sufocadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: eu acreditava em todos os encantamentos.
Inventei a cor das vogais! — 'A' negro, 'E' branco,'I' vermelho, 'O' azul, 'U' verde. — Ordenei a forma e o movimento de cada consoante e, com ritmos instintivos, pretendi inventar um verbo poético acessível, mais dias menos dias, a todos os sentidos. Eu me reservava sua tradução.
Antes, foi apenas um estudo. Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.
Arthur Rimbaud