sábado, 26 de março de 2011

David Cunningham

no primeiro sábado da tua ausência, comecei a ser louco.

comecei a ver coisas estranhíssimas: um homem que eu não conhecia, vestido de cigano, começou a falar comigo. ao início, apenas previa o meu futuro, mas depois, à medida que as visitas se tornaram mais frequentes, percebi que era eu mesmo em mais novo.

que há-de ser um homem a falar com o jovem de si próprio?

e compreendi a loucura: uma manada de búfalos acelerando a pulsação. o coração de um búfalo onde deve estar a solidão.

e comecei a duvidar da existência. olhava para as coisas e tinha de lhes tocar para saber que eram tuas. as tuas roupas de quando estavas nua. comecei a usar tua roupa, o teu perfume, o teu talher, o teu copo, a tua lâmpada de ler à noite.

comecei a ler na página marcada um livro que deixaste sobre a cama, sobre animais selvagens. os animais começaram a falar comigo, eu conheci a fala deles e fechei o livro.

que há-de ser um homem a falar com os livros?

dei por mim a desejar que o jovem voltasse. dei por mim a falar com ele, prostrado à loucura. e comecei a ver-te ao lado dele, em mais nova. usavas as roupas de quando estavas nua.

aceso o desejo, vi o triângulo da tua carne subitamente iluminado.

o triângulo da loucura, no primeiro sábado da tua ausência.



alice macedo campos