segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sogra


 Minhas mãos estão geladas e tremem no volante enquanto eu espero. Não quero tocar a buzina de novo, apesar da demora deles em sair de casa. Tenho que ser nada menos que perfeito esta noite. Afinal, mais difícil que conquistar Henrique para além daquela noite até me tornar seu namorado será conquistar dona Mariana, a mãe dele. Toda a novidade do momento me aterroriza e também, de certa forma, me alegra. Nunca antes nenhum de meus namorados me apresentou à mãe oficialmente. Tudo parece estar ficando mais sério agora, de uma maneira muito boa.
A naturalidade desaparece no instante em que dona Mariana entra no meu carro. Não sei se devo cumprimentar Henrique com um beijo, como de costume – opto por apenas abraçá-lo. Um denso silencio ocupa todo o espaço do carro, então, e eu sinto o suor brotando em minha testa. É indecifrável o rosto de dona Mariana, e sinto vergonha de procurar algum amparo nos olhos de Henrique. Não digo nada, com medo das palavras saírem erradas ou de gaguejar e denunciar todo o meu nervosismo. E se ela não gostar de mim? O que ela pode falar para Henrique? Qual deve ser o tamanho da influência dela sobre o filho? O suficiente para abalar ou acabar com a nossa história? Começo a achar que não foi uma boa idéia preparar este encontro agora.
Música? Henrique pergunta e não espera a resposta para ligar o rádio. Ele abre o porta-luvas e procura um dos CDs que ele gosta, tentando se desligar daquele momento constrangedor. Eu sei que ele quer a perfeição deste dia também quando ele finge indiferença ao passar pelos discos de música pop. Certamente, não quer que sua mãe pense que somos aquele tipo óbvio de homossexual. Ouvimos, então, um rock nacional, e Henrique se segura com força na melodia. Eu não consigo. Procuro, através do espelho retrovisor, a atual expressão de dona Mariana. Ela está me olhando. Eu congelo, e passo cada segundo do restante do trajeto até o restaurante tentando decifrar, em vão, qualquer sinal de aprovação ou reprovação na falta de atos dela.
Poucas palavras são trocadas no restaurante, antes da chegada do garçom. Para evitar o risco de errar, deixo que ela e Henrique escolham o prato e o vinho. Lanço, finalmente, um primeiro olhar para meu namorado, perguntando em silêncio Ela é sempre assim?, e recebendo um olhar de resposta que tenta dizer Fique tranqüilo, tudo vai dar certo., mas acaba dizendo Estou mais nervoso que você. Dona Mariana só fala quando o garçom serve o vinho tinto e deixa a mesa.
E então... A cada letra dita eu me sinto recebendo uma forte corrente de ar glacial. Como vocês se conheceram? Impossível sentir qualquer tom de simpatia ou de desprezo naquela voz. A neutralidade me tira o norte.
Por acaso. Consigo não gaguejar. Ótimo. Decido não mentir. Numa boate. Trocamos telefones, e-mail, conversamos...
E é sério? Ela me corta para expulsar a pergunta entalada em sua garganta. O que eu quero saber com isso é se você realmente gosta do meu filho.
Eu fico corado e não consigo tirar os olhos das minhas mãos, com medo do que eu possa encontrar além delas. A resposta, tímida, sai. Gosto. Mais leve por ter dito aquilo, consigo levantar o olhar e encarar dona Mariana. Muito. Sinto a palma da mão de Henrique carinhosamente repousando em meu braço.
Dona Mariana me olha de volta. Desta vez eu não desvio o meu olhar e acarinho a mão de Henrique com a minha. Ela olha para o filho e vê seu sorriso. Ela, enfim, sorri. Eu sorrio. Sei, afinal, que sou o que dona Mariana queria. Ela coloca sua mão leve sobre as nossas. Sua voz agora tem o calor de um abraço.
Que bom.

Renan Wilbert Mendes