Corta-me o espírito de chagas!
Põe-me aflições em toda a vida:
Não me ouvirás queixas nem pragas …
Eu já nasci desiludida,
De alma votada ao sofrimento
E com renúncias de suicida …
Sobre o meu grande desalento,
Tudo, mas tudo, passa breve,
Breve, alto e longe como o vento …
Tudo, mas tudo, passa leve,
Numa sombra muito fugace,
- Sombra de neve sobre neve … –
Não deixando na minha face
Nem mais surpresas nem mais sustos:
- É como, até, se não passasse …
Todos os fins são bons e justos …
Alma desfeita, corpo exausto,
Olho as coisas de olhos augustos …
Dou-lhes nimbos irreais de fausto,
Numa grande benevolência
De quem nascei u para o holocausto!
Empresto ao mundo outra aparência
E às palavras outra pronúncia,
Na suprema benevolência
De quem nasceu para a Renúncia!…
Cecília Meireles