segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Mau Sangue


Herdo de meus antepassados, os gauleses, os olhos azuis-claros, a
fronte estreita, e a falta de jeito para a luta. Sinto que minhas roupas
são tão bárbaras quanto as deles. Apenas não unto a cabeleira.
Os Gauleses foram esfoladores de animais, queimadores de ervas, os
mais inábeis de seu tempo.
Deles, eu herdo: a idolatria e o amor ao sacrilégio; - oh! todos os
vícios: cólera, luxúria, - magnífica, a luxúria; - sobretudo mentira e preguiça.
Detesto todas as profissões. Mestres e oficiais, todos campônios,
ignaros. A mão que empunha a pena equivale à que guia o arado. -
Que século de mãos! - Jamais me servirei das mãos! Depois, a
domesticidade leva demasiado longe. A honradez da mendicidade
exaspera-me. Os criminosos repugnam-me como castrados: quanto a mim,
estou intacto, e pouco se me dá.

Mas quem fez tão pérfida a minha língua que, até agora, tem guiado
e protegido a minha preguiça? Sem saber utilizar-me do corpo, e
mais ocioso que um sapo, tenho vivido por toda a parte. Não há
família na Europa que eu não conheça: - Estou falando de famílias
iguais à minha, que devem tudo à declaração dos Direitos do
Homem – Tenho conhecido cada filho-família!

Arthur Rimbaud