quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Friedrich Nietzche, Além do Bem e do Mal, af. 31


Nos anos da juventude, venera-se ou despreza-se ainda sem aquela arte da nuance, que é o melhor partido da vida, e paga-se, com justiça, muito caro por assaltar desse modo as coisas e as pessoas com sim e não. Tudo se predispõe de modo que o pior dos gostos, o gosto pelo incondicional, seja cruelmente ridicularizado e abusado, até que o homem aprenda a pôr um pouco de arte nos seus sentimentos e prefira fazer uma tentativa com o artificial: como fazem os verdadeiros artistas da vida. A tendência para a cólera e o instinto de veneração, próprios da juventude, parecem não descansar enquanto não tiverem falseado homens e coisas para os poder dominar: a juventude em si é algo que engana e falseia. Mais tarde, quando a alma jovem, martirizada por mil desilusões, volta-se por fim, desconfiada, contra si mesma, ainda ardente e selvagem, incluindo suas suspeitas e remorsos: como se irrita consigo mesmo, como se dilacera com impaciência, como se vinga da sua longa cegueira, como se ela tivesse sido voluntária! Nesse período de transição castiga-se a si mesmo por desconfiar de seus próprios sentimentos; martiriza-se o entusiasmo pela dúvida, até a consciência limpa aparece como um perigo, como uma espécie de autodissimulação e fadiga da honestidade mais sutil; e sobretudo toma-se partido por princípio contra “a juventude”. Dez anos mais tarde: e percebe-se que tudo isso também – era ainda juventude!

Friedrich Nietzche, Além do Bem e do Mal, af. 31