domingo, 8 de março de 2009

Paul Delaroche.


Eu queria senhora 
ser o seu armário 
e guardar os seus tesouros 
como um corsário 
Que coisa louca: 
ser seu guarda-roupa! 
Alguma coisa sólida 
circunspecta e pesada 
nessa sua vida estabanada. 
Um amigo de lei 
(de que madeira eu não sei). 
Um sentinela do seu leito 
— com todo o respeito. 
Ah, ter gavetinhas 
para suas argolinhas. 
Ter um vão 
para seu camisolão 
e sentir o seu cheiro, senhora 
o dia inteiro. 
Meus nichos 
como bichos 
engoliriam suas meias-calças, 
seus soutiens sem alças, 
e tirariam nacos 
dos seus casacos, 
E no meu chão, 
como trufas, 
as suas pantufas... 
Seus echarpes, seus jeans, 
seus longos e afins. 
Seus trastes 
e contrastes. 
Aquele vestido com asa 
e aquele de andar em casa. 
Um turbante antigo. 
Um pulôver amigo. 
Bonecas de pano. 
Um brinco cigano. 
Um chapéu de aba larga. 
Um isqueiro sem carga. 
Suéteres de lã 
e um estranho astracã. 
Ah, vê-la se vendo 
no meu espelho, correndo. 
Puxando, sem dores, 
os meus puxadores. 
Mexendo com o meu interior 
- à procura de um pregador. 
Desarrumando meu ser 
por um prêt-à-porter... 
Ser o seu segredo, 
senhora, 
e o seu medo. 
E sufocar 
com agravantes 
todos os seus amantes. 


Luís Fernando Veríssimo
  
Do livro: "Mulher 40 Graus à Sombra", Editora Objetiva, 1994, RJ