terça-feira, 3 de julho de 2012
Espumas Flutuantes
Prólogo
Era por uma dessas tardes, em que o azul do céu oriental — é pálido e saudoso, em que o rumor do vento nas vergas — é monótono e cadente, e o quebro da vaga na amurada do navio — é queixoso e tétrico.
Das bandas do Ocidente o sol se atufava nos mares "como um brigue em chamas"... e daquele vasto incêndio do crepúsculo alastrava-se a cabeça loura das ondas.
Além... os cerros de granito dessa formosa terra da Guanabara, vacilantes, a lutarem com a onda invasora de azul, que descia das alturas... recortavam-se indecisos na penumbra do horizonte.
Longe, inda mais longe... os cimos fantásticos da serra dos Órgãos embebiam-se na distância, sumiam-se, abismavam-se numa espécie de naufrágio celeste.
Só e triste, encostado à borda do navio, eu seguia com os olhos aquele esvaecimento indefinido e minha alma apegava-se à forma vacilante das montanhas — derradeiras atalaias dos meus arraiais da mocidade.
É que lá, dessas terras do Sul, para onde eu levara o fogo de todos os entusiasmos, o viço de todas as ilusões, os meus vinte anos de seiva e de mocidade, as minhas esperanças de glória e de futuro:... é que dessas terras do Sul, onde eu penetrara "como o moço Rafael subindo as escadas do Vaticano;"... volvia agora silencioso e alquebrado... trazendo por única ambição — a esperança de repouso em minha pátria.
Foi então que, em face destas duas tristezas — a noite que descia dos céus, — a solidão que subia do oceano —, recordei-me de vós, ó meus amigos!
E tive pena de lembrar que em breve nada restaria do peregrino na terra hospitaleira, onde vagara; nem sequer a lembrança desta alma, que convosco e por vós vivera e sentira, gemera e cantara...
Ó espíritos errantes sobre a terra! Ó velas enfunadas sobre os mares!... Vós bem sabeis quanto sois efêmeros... — passageiros que vos absorveis no espaço escuro, ou no escuro esquecimento.
E quando — comediantes do infinito — vos obumbrais nos bastidores do abismo, o que resta de vós?
— Uma esteira de espumas... — flores perdidas na vasta indiferença do oceano. — Um punhado de versos... — espumas flutuantes no dorso fero da vida!...
E o que são na verdade estes meus cantos?...
Como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, eles são filhos da musa — este sopro do alto; do coração — este pélago da alma.
E como as espumas são, às vezes, a flora sombria da tempestade, eles por vezes rebentaram ao estalar fatídico do látego da desgraça.
E como também o aljofre dourado das espumas reflete as opalas rutilantes do arco-íris, eles por acaso refletiram o prisma fantástico do entusiasmo — estes signos brilhantes da aliança de Deus com a juventude!
Mas, como as espumas flutuantes levam, boiando nas solidões marinhas, a lágrima saudosa do marujo... possam eles, ó meus amigos! — efêmeros filhos de minh’alma — levar uma lembrança de mim às vossas plagas!...
Castro Alves