«Em literatura, não admito sistema, não sigo escola, não desfraldo bandeiras: entreter e magnetizar, estas são minhas únicas regras.
Quando alguém nos pergunta que livros mais nos marcaram, ou quais os nossos escritores preferidos, quase nunca o faz por curiosidade desinteressada ou simples abordagem amigável. Trata-se, isto sim, de um desafio para o duelo intelectual. Em geral, aqueles que vivem o meio literário mais de perto — escritores, tradutores, críticos, editores, jornalistas, professores etc. —, ao ouvirem uma dessas perguntas fatídicas, sentem-se logo obrigados a responder com nomes de prestígio indiscutível no cânone do momento. E quanto mais árdua para o leitor comum for a legibilidade dessas obras e desses autores, quanto mais deprimido for o clima neles predominante, quanto mais ideologicamente bem-vistos, melhor. A minoria daqueles um pouco mais despreocupados com sua imagem, ou com independência de julgamento um pouco maior, procurará nomes capazes de conciliar prestígio junto aos especialistas e a adesão pessoal efetiva, decorrente de uma leitura realmente mobilizadora.
Mas se você ouvir alguém, num rasgo de coragem quase suicida, afirmando ter sido marcado por um livro que os cânones rotulam de menor, ou incluindo entre seus escritores preferidos um autor considerado de segundo ou terceiro time pelos especialistas, agarre-se a essa pessoa como se fosse um tesouro, um interlocutor precioso.
Isso porque a verdadeira abertura para a arte da escrita, e para qualquer forma de arte, não aceita os filtros acadêmicos, as imposições canônicas ou as patrulhas ideológicas. O leitor realmente livre reage única e exclusivamente ao seu intransferível contato com o texto. Só ele, portanto, é capaz de construir um cânone próprio, em que as hierarquias são estabelecidas por sua própria subjetividade.»
O Conde de Monte Cristo. — Ensaio: A grande ficção e o bom gosto —