A filosofia é uma estrada que percorre os pontos mais elevados dos Alpes; para chegar até lá, é preciso galgar uma senda abrupta, que atravessa rochas pontiagudas e espinhaços poderosos; é um caminho solitário que se torna cada vez mais desolado à medida em que nos aproximamos do cume; quem o segue, não deve temer o assombro, mas deixá-lo inteiramente atrás de si, enquanto abre seu próprio caminho com perseverança através da fria neve. Com frequência o filósofo se depara subitamente diante um abismo hiante e, descendo ao longo dele, consegue dirigir o olhar até o vale verde que se estende muito além, lá embaixo nas planuras. Sofre então uma terrível sensação de vertigem; mas precisa superá-la, mesmo que para isso tenha de fixar as solas de seus pés sobre as rochas com o adesivo de seu próprio sangue. Passado esse momento, verá que todo o mundo se encontra abaixo de si, perceberá como desaparecem todas as terras pantanosas e a multidão dos desertos de areia, como se afastam todas as irregularidades, como todas as discordâncias ficam contidas no conjunto e não sobem até ele e é então que percebe realmente como o mundo é redondo. Enquanto isso, ele permanece sempre no ar puro e frio das alturas e pode contemplar o Sol, enquanto o mundo inferior domina ainda a negra escuridão da noite.
— Arthur Schopenhauer, in “Primeiros Manuscritos”.