sábado, 9 de março de 2024

Aforismos para a sabedoria de vida

Afeição por alguém. 

Assim, devemos escolher entre conquistar o afeto ou o respeito das pessoas. Sua afeição é sempre egoísta, ainda que por motivos diversos; ademais, as condições em que se adquire essa afeição nem sempre são motivo para nos orgulharmos. Antes de tudo, um homem será estimado na medida em que limite suas pretensões à boa vontade e à inteligência dos demais, e isso sinceramente, sem dissimulação — não apenas em virtude de uma indulgência que, no fundo, é uma espécie de desprezo. (...) Por outro lado, sucede o contrário quando se trata da estima dos indivíduos; não os fazemos confessá-la senão contra sua vontade, e por esse motivo é frequentemente ocultada. Por isso, comparada com a afeição, a estima nos proporciona uma satisfação interior muito maior; está em relação com nosso valor pessoal, e o mesmo não vale diretamente para a afeição, que é subjetiva em sua natureza, enquanto que a estima é objetiva. Porém, naturalmente, a afeição nos é mais útil. A maioria dos homens é tão pessoal que, no fundo, nada tem interesse aos seus olhos senão eles próprios exclusivamente. Daí resulta que, de qualquer coisa que se fale, pensam imediatamente em si mesmos, e que tudo aquilo que, ainda que seja por acaso e remotamente, se refira a algo que lhes afeta, atrai e cativa toda a sua atenção. Por tal motivo, não têm liberdade para penetrar na parte objetiva da conversa e, igualmente, não há razões válidas para eles desde o momento em que contrariem seu interesse ou sua vaidade. Assim, pois, se distraem com tanta facilidade, se ofendem ou se afligem tão prontamente que, ainda quando se fala com eles de um ponto de vista objetivo sobre qualquer matéria, não devemos poupar precauções em evitar no discurso tudo que possa ter uma relação possível, talvez incômoda, com o precioso e delicado eu que temos diante de nós. Nada lhes interessa mais que esse eu; e ainda que não possam sentir ou compreender o que há de verdadeiro e de notável ou de belo, de delicado e de genial nas palavras do outro, possuem a mais melindrosa sensibilidade para tudo aquilo que possa, mesmo remota e indiretamente, afetar sua mesquinha vaidade ou referir-se desvantajosamente, de qualquer maneira que seja, ao seu amável eu. Por sua suscetibilidade, se parecem a esses cachorrinhos em cuja pata é tão fácil pisar por descuido e cujos grunhidos temos de suportar depois; ou bem a um enfermo coberto de chagas e de bolhas que devemos evitar tocar com todo o cuidado. Há os que levam isso tão longe que quando se lhes revela inteligência ou entendimento, ou quando esses não são suficientemente ocultados durante uma conversa, os sentem como um verdadeiro insulto; ainda que o dissimulem num primeiro momento. Porém, depois, aquele que carece de experiência de vida reflete e rumina em vão sobre a questão, perguntando-se como pôde ter atraído seu rancor e seu ódio. Porém, em virtude da mesma subjetividade, é também muito fácil adulá-los e conquistá-los. Por conseguinte, seu julgamento é quase sempre corrompido, e não passa de um decreto a favor de seu partido ou de sua classe, e não de algo objetivo e imparcial. Isso provém de que neles a vontade excede em muito a inteligência e de que seu débil entendimento está completamente sujeito ao serviço da vontade, da qual não pode libertar-se por um momento sequer.

Arthur Schopenhauer