Minha vida é um reflexo deformado assim como se deforma num lago ondulante e instável o reflexo de um rosto. Imprecisão trêmula. Como o que acontece com a água quando se mergulha a mão na água. Sou um palidíssimo reflexo de erudição. Minha receptividade se afina registrando sem parar as concepções de outros, refletindo no meu espelho os matizes sutis das distinções entre as coisas da vida. Eu que sou um resultado do verdadeiro milagre dos instintos. Eu sou um terreno pantanoso. Em mim nasce musgo molhado cobrindo pedras escorregadias. Pântano com seus sufocantes miasmas intoleravelmente doces. Pântano borbulhante.
Clarice Lispector, Um sopro de vida