domingo, 4 de fevereiro de 2024

CONSCIÊNCIA E INCONSCIENTE


A diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente é a premissa básica da psicanálise e o que a ela permite compreender e inscrever na ciência os processos patológicos da vida psíquica, tão frequentes e importantes. Dizendo-o mais uma vez e de outra forma: a psicanálise não pode pôr a essência do psíquico na consciência, mas é obrigada a ver a consciência como uma qualidade do psíquico, que pode juntar-se a outras qualidades ou estar ausente. (...) Para a maioria daqueles que têm cultura filosófica, é tão inapreensível a ideia de algo psíquico que não seja também consciente, que lhes parece absurda e refutável pela simples lógica. Acho que isto se deve ao fato de não terem jamais estudado os pertinentes fenômenos da hipnose e do sonho, que — sem considerar o dado patológico — obrigam a tal concepção. A sua psicologia da consciência é incapaz de resolver os problemas do sonho e da hipnose. 

“Estar consciente” é, em primeiro lugar, uma expressão puramente descritiva, que invoca a percepção imediata e segura. A experiência nos mostra, em seguida, que um elemento psíquico

— por exemplo, uma ideia — normalmente não é consciente de forma duradoura. É típico, isto sim, que o estado de consciência passe com rapidez; uma ideia agora consciente não o é mais no instante seguinte, mas pode voltar a sê-lo em determinadas condições fáceis de se produzirem. Nesse intervalo ela era ou estava — não sabemos o quê. Podemos dizer que era latente, com isso querendo dizer que a todo momento era capaz de tornar-se consciente. Ou, se dissermos que era inconsciente, também forneceremos uma descrição correta. Este “inconsciente” coincide com “latente, capaz de consciência”. É certo que os filósofos objetariam: “Não, o termo ‘inconsciente’ não pode ser usado aqui; enquanto a ideia estava em estado de latência não era nada psíquico”. Se já os contradisséssemos neste ponto, cairíamos numa disputa puramente verbal, que a nada levaria. 

Mas nós chegamos ao termo ou conceito de inconsciente por um outro caminho, elaborando experiências em que a dinâmica psíquica desempenha um papel. Aprendemos — isto é, tivemos de supor — que existem poderosos processos ou ideias psíquicas (e aqui entra em consideração, pela primeira vez, um fator quantitativo, e portanto econômico) que podem ter, na vida psíquica, todos os efeitos que têm as demais ideias, incluindo efeitos tais que por sua vez podem tornar-se conscientes como ideias, embora eles mesmos não se tornem conscientes. Não é necessário repetirmos em detalhes o que já foi exposto com alguma frequência. Basta dizer que aqui aparece a teoria psicanalítica, afirmando que tais ideias não podem ser conscientes porque uma certa força se opõe a isto, que de outro modo elas poderiam tornar-se conscientes, e então se veria como elas se diferenciam pouco de outros elementos psíquicos reconhecidos. Essa teoria torna-se irrefutável por terem sido encontrados, na técnica psicanalítica, meios com cujo auxílio pode-se cancelar a força opositora e tornar conscientes as ideias em questão. Ao estado em que se achavam estas, antes de tornarem-se conscientes, denominamos repressão, e dizemos que durante o trabalho analítico sentimos como resistência a força que provocou e manteve a repressão. 

Portanto, adquirimos nosso conceito de inconsciente a partir da teoria da repressão. O reprimido é, para nós, o protótipo do que é inconsciente. Mas vemos que possuímos dois tipos de inconsciente: o que é latente, mas capaz de consciência, e o reprimido, que em si e sem dificuldades não é capaz de consciência. 

(...)  a diferenciação entre consciente e inconsciente é, afinal, uma questão de percepção, a que se deve responder com “sim” ou “não”, e o ato da percepção mesmo não informa por qual razão algo é percebido ou não. Não podemos nos queixar porque o dinâmico acha expressão apenas ambígua no fenômeno.

Sigmund Freud