– Mas você vai pelo menos responder a uma última pergunta. Imagine duas árvores bem antigas num grande jardim. Uma cresceu num local ensolarado, com acesso a um solo fértil e água em abundância. A outra, num solo estéril, sob a sombra. Qual delas, você acha, é a árvore maior? E qual delas terá dado mais frutos?
– Claro que a árvore que teve as melhores condições.
– Segundo Espinosa, essa é a árvore livre. Ela teve liberdade total para desenvolver suas possibilidades intrínsecas. Se, porém, se tratar de uma macieira, ela não terá tido possibilidade de dar peras ou ameixas. O mesmo vale para nós, seres humanos. Podemos retardar nosso desenvolvimento e nosso crescimento pessoal, por exemplo, devido a condições políticas. Pressões externas são capazes de nos tolher. Somente quando “libertamos” as possibilidades que nos são inatas é que vivemos como homens livres. Mas somos tão governados pelo nosso potencial interno e pelas circunstâncias exteriores quanto aquele menino da Idade da Pedra no vale do Reno, o leão na África ou a macieira no jardim.
– Já estou prestes a desistir.
– Espinosa enfatiza que somente um único ser é “causa completa e absoluta” de si mesmo e pode agir em total liberdade. Só Deus ou a natureza é a manifestação livre, “não causal”, desse processo. Um homem pode até aspirar à liberdade de viver imune às atribulações externas. Mas jamais vai experimentar de fato o “livre-arbítrio”. Não podemos determinar tudo que acontece com nosso próprio corpo, que é um modus do atributo extensão. E não possuímos uma “alma livre”, que de resto está aprisionada em um corpo mecânico.
Jostein Gaarder, O mundo de Sofia