sábado, 11 de março de 2023

Escuta, Zé Ninguém

 



 Para que o estimasses e te caísse em graça, o grande homem teria de se adaptar ao teu modo de ser, Zé Ninguém, falar como tu e gabar-se das mesmas virtudes. A verdade é que se ostentasse as tuas virtudes, falasse a tua linguagem e gozasse da tua amizade não mais seria grande, autêntico ou simples. Prova é que os teus amigos que dizem exatamente o que esperas que eles digam nunca foram grandes homens. Tu não acreditas que qualquer amigo teu possa conseguir o que quer que seja de grande. No mais intimo de ti próprio, desprezas-te, mesmo quando – ou particularmente quando – gabas mais da tua dignidade; e se te desprezas, como poderias respeitar os teus amigos? Nunca poderias acreditar que quem quer fosse que se sentasse à tua mesa ou vivesse na mesma casa contigo pudesse realizar o que quer que fosse de grandioso. Perto de ti é difícil pensar, Zé Ninguém. É apenas possível pensar acerca de ti, nunca contigo. Porque tu sufocas qualquer pensamento original. Tal como uma mãe, tu dizes às crianças que exploram o seu mundo: “Isso não é próprio para crianças”. Como um professor de biologia, dizes: “Isso não é coisa para bons alunos. O quê, duvidar da teoria dos germes do ar?” Como um professor primário, dizes: “As crianças são para ser vistas, e não para se ouvirem”. Como uma mulher casada, dizes: “Há! A investigação! Eu e a tua investigação! Porque é que não vais para um escritório, como toda a gente, ganhar decentemente a tua vida?” Mas sobre o que se escreve nos jornais tu acreditas, quer percebas quer não. Garanto-te, Zé Ninguém, que perdeste o sentido do que mais vale em ti mesmo. Morre de sufocação às tuas mãos, em ti e onde quer que o encontres nos outros, nos teus filhos, na tua mulher, no teu marido, no teu pai e na tua mãe. Tu és medíocre e queres continuar a sê-lo. Perguntas-me como sei eu tudo isto? Eu digo-te: Conheço-te. Experimentei-te e experimentei-me contigo. Como terapeuta libertei-te da tua mesquinhez, como educador orientei-te no sentido da espontaneidade, da confiança. Sei como te defendes da espontaneidade, sei o terror que te toma quando te pedem que sejas tu próprio, autêntico e genuíno.

Wilhelm Reich , Escuta, Zé Ninguém!