sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

 


“Qual o homem no mundo que, sem vocação interior, dedica-se a um ofício, uma arte ou qualquer meio de vida, não achará como tu insuportável sua profissão? Aquele que nasceu com talento para algum talento, nele encontra sua mais bela existência! Não existe coisa alguma nesta terra sem dificuldade! Só o impulso interior, o amor e o desejo nos ajudam a superar os obstáculos, a abrir caminhos e a elevar-nos acima do estreito círculo onde outros miseravelmente se debatem! Para ti, os palcos nada mais são que palcos, e os papéis, o que para um escolar é sua tarefa! Vês o público como ele mesmo se imagina ser nos dias de trabalho. Pois, para ti, tanto faz estar sentado atrás de uma escrivaninha, debruçado sobre livros quadriculados, registrando contribuições ou usurpando as diferenças. Não sentes esse todo a arder coeso, que só o espírito descobre, concebe e realiza; não sentes que lateja nos homens uma centelha melhor que, não encontrando alento nem ânimo, é soterrada pelas cinzas das necessidades quotidianas e da indiferença, e, ainda assim, por mais tarde que seja, nunca é abafada. Não sentes em tua alma força alguma para avivá-la, nem em teu coração a riqueza necessária para alimentar aquilo que despertaste. A fome te impele, os transtornos te são adversos e não consegues compreender que em qualquer condição social espreitam esses inimigos, que só a alegria e a serenidade podem vencer. Fazes bem em aspirar aos limites de uma ocupação vulgar, pois como poderias desempenhar com acerto alguma outra que exige gênio e coragem? (…) Se se movessem vivamente em tua alma as imagens de homens laboriosos, se aquecesse teu peito um fogo compassivo, se se propagasse por todo teu ser esta inclinação que emana do mais profundo, se fosse agradável ouvir os sons de tua garganta, as palavras de teus lábios, se te sentisses forte o bastante em ti mesmo…, e certamente procurarias lugar e ocasião de poder sentir-te também nos outros!”

Goethe, J. W. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister.