sábado, 17 de dezembro de 2022

NESTA NOITE, NESTE MUNDO



Nesta noite neste mundo

as palavras do sonho da infância da morte

nunca é isso o que queremos dizer

a língua natal castra

a língua é um órgão de conhecimento

do fracasso de todo o poema

castrado pela sua própria língua

que é o órgão da re-criação

do re-conhecimento

mas não é o da re-surreição

de algo parecido com negação

do meu horizonte de maldoror com o seu cão

e nada é promessa

entre o dizível

que equivale a mentir

(todo o que se pode dizer é mentira)

o resto é silêncio

só que o silêncio não existe


não

as palavras

não fazem o amor

fazem a ausência

se digo água, beberei?

se digo pão, comerei?


nesta noite neste mundo

extraordinário silêncio o desta noite

o que se passa com a alma é que não se vê

o que se passa com a mente é que não se vê

o que se passa com o espírito é que não se vê

de onde vem esta conspiração de invisibilidades?

nenhuma palavra é visível


sombras

recintos viscosos onde se esconde

a pedra da loucura

corredores escuros

eu os percorri a todos

oh fica um pouco mais conosco!


minha pessoa está ferida

minha primeira pessoa do singular


escrevo como quem sacou uma faca na escuridão

escrevo como estou dizendo

a sinceridade absoluta continuaria sendo

o impossível

oh fica um pouco mais conosco!


as degenerações das palavras

desabitando o palácio da linguagem

o conhecimento entre as pernas

que fizeste do dom do sexo?

oh meus mortos

eu os comi e me engasguei

não posso mais de não poder mais


palavras dissimuladas

tudo se desliza

para a negra liquefação


e o cão de maldoror

nesta noite neste mundo

onde tudo é possível

salvo

o poema


falo

sabendo que não se trata disso

sempre não se trata disso

oh ajuda-me a escrever o poema mais desnecessário

                que não sirva nem para

                 ser imprestável

ajuda-me a escrever palavras


 Alejandra Pizarnik